Quanta bobagem

lendo
Ela estava na varanda molhando as plantas quando viu aquele livro jogado ao sol. Provavelmente alguém, a empregada ou o ex-marido, o deixaram por lá. Notou que era Platão. Fedro. Sentiu-se velha como velho era o Sócrates. Entretanto, cedeu à nostalgia dos tempos de faculdade e abriu o livrinho, esquecendo-se da vassoura e do jardim. Afinal, como mulher ela até que apreciava aquele discurso sobre o Amor. Inda mais nesses tempos de fossa e solidão. Ela, quer dizer, eu, eu mesma, confesso, abri numa parte bem interessante. Para quem nada estava fazendo sentido mesmo, arriscou, arrisquei aquele trecho em voz alta, enquanto pombos e rolinhas bebericavam a água que escorria das plantas. Parecia bobagem, parecia bom. Parecia verdadeiro, parecia iventivo. Talvez contundente, talvez vazio. De qualquer forma, desisti do jardim e me perdi entre estas palavras platônicas. Que coisa mais antiga. Talvez do amor. Talvez da loucura. Li em voz alta com estranho fundo musical que só depois verifiquei ser a água da borracha molhando meus pés…
[..]Queres te tornar cada vez mais virtuoso? Confia em ti e não na pessoa que te ama, pois o que ama louvará sempre as tuas palavras e teus atos sem se preocupar com a verdade e com o bem, de medo de te perder ou pela simples cegueira que é própria da paixão. São estas as ilusões do amor. O amor infeliz aflige-se com aquilo que a ninguém incomoda; o amor feliz acha que tudo é encanto, as menores e mais insignificantes coisas. O amor é mais digno de piedade do que de inveja. Se cederes aos meus desejos, não me verás à procura na tua intimidade, de um simples prazer efêmero.
Hei de estar vigilante a que nos liguem interesses duráveis, pois que, liberto do amor, sou capaz de me dominar. Sem me deixar levar por motivos fúteis a ódios furiosos, não me aborrecerei por causa de faltas insignificantes, mas só diante de erros graves me irritarei contigo. Perdoarei o que fizeres sem intenção e tentarei impedir as más ações. São estes os sinais de uma amizade duradoura.[..]