Qual é a senha?

mulherEla entrou no laboratório de informática da faculdade com o firme propósito de conhecer alguém diferente, seja na rede de bate-papo, seja um qualquer que estivesse sentado ao seu lado.
Nada de prostituição, namoração, fogo no traseiro, nem nada. Apenas o tédio tomara conta de todo seu ser. O pré-vestibular estava um saco. Matematicamente falando ela estava zerada no amor. Um vazio cósmico a abraçava, e pela manhã, nem Freud, nem pai – de – santo. Era tudo chato em sua vida.

Já não queria nem desejava o ex-namorado, tanto que era “ex”. Na verdade queria encontrar sentido nessas relações sérias onde o macho domina até a roupa da fêmea. Ciúmes e cuidados excessivos para depois. Depois nada! Ela sabia o tempo todo que ele era chato, louco, uma espécie de machinho em extinção. Sem coração, muito tesão e só.

É. Estava mesmo amarga naquele dia. Não conseguiu entrar no blog, esquecera a senha da livraria, a senha nova do banco. Qual é a senha da morte?!

Não dava pra ser daquela forma. Como um ser humano, um aparvalhado ser humano mulher poderia chegar àquele estágio? Sem lógica. Pensou que ficaria com o primeiro homem que visse pela frente. Não deu certo. “Bom dia, pai.” Azar, tudo que vinha em sua mente era a palavra azar.

Saiu da internet e entrou na igreja. Silêncio. Menos mal. Fechou os olhos e pediu um milagre. Um milagrinho singelo. Que alguém baixasse seu fogo. Fogo de beijar, se prostituir, rasgar a roupa de seda, devassa seda aquela.

Despediu-se das irmãs e foi ter com o diabo. Olhos claros, skol e cigarros de menta. Pensou que a saia estava muito curta, mas gostou da idéia. Risos e piadas sem graça. Grande papo. O cara não sabia nada de Fellini, Saramago ou Evangelho. Mas tinha um belo sorriso. Um burrinho lindo que falava. Como na Bíblia, ela pensou encantada.

Anoiteceu. Ele se foi, fazia curso de informática. Talvez jovem demais. Ou ela se sentia velha nesse tempo de tédio. Mais de trinta, hum… não é fácil ter quarenta. Idade emocional de adolescente e uma boa plástica. Tava bom, de qualquer forma perdera as senhas da vida eterna.

Mas um atalho para chegar ao paraíso ela conseguira. Chegou em casa e resolveu ligar para o celular dele. Por que não? Aprenderia coisas com ele. E ele com ela. Ficou feliz e pensativa por uns instantes. Sim! Ligaria para o milagre bíblico. Mas… cadê o número? Por que não levou o celular pra rua? Onde está o maldito guardanapo com o número?!

Deitou-se na cama pedindo a Deus a senha do inferno. Chega.

Coisas

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Certas coisas andam sozinhas, principalmente quando desistimos de procurar sentido em tudo. Sem sentido, fica-se olhando navios, e vários deles são mesmo piratas, você pode ser roubado. Mas eu não preciso de explicações, não há regras para um mundo onde insistimos no amor. Já era para a humanidade saber que o amor é mais que um sentimento: deveria ser um estado inteligente de organização social. Parece triste, mas há necessidade de pensar a respeito desse nobre e ordinário sentir.

Amores acabam quando vêm problemas; sejam financeiros, ideológicos, religiosos, ou mesmo quando simplesmente a gente enjoa da cara do parceiro. Que grosseria. Mas enfim… gente é assim mesmo. Só é bom o amor quando tudo está perfeito, cada coisa no seu lugar, cada membro perfeitamente encaixado na hora de dormir. Bons sonhos, sonos perfeitos. Até…

O tão glorificado amor acordar antes de nós e partir. Assim, sem maiores explicações. Lá se vai o mito mentiroso, o culpado de tudo. Haja saco para guardar as lembranças, os bons momentos. Fernando Pessoa já o achava ridículo. Não digo novidade. O novo mesmo é saber-nos comédia porque invariavelmente, ainda que conhecendo as artimanhas desse sentimento, lá vamos nós, de novo dramatizar a vida, e tentar nos desvencilhar da solidão. Esta sim, fidedigna parceira, necessária ao ser humano. Pois somente sozinhos achamos soluções para nossas eternas indagações.

Não obstante, andar a sós prejudica na hora do sexo, este que praticado por apenas um, faz tudo parecer cruel. Podemos viver sem esta sensação, o sexo. Entretanto, soa pouco natural, já que ele existe deve ser praticado. Mas sem amor (!) não tem graça. Vejam ai, sempre o amor. Rendo-me, ô coisa!, eu preciso amar, sou estúpida. Preciso de amor como a flor precisa do sol, e o detento da liberdade. Dependo dele como fosse a droga de minha vida. Sou ridícula assumida, Fernandinho.

Segunda-feira, segunda rápida

praiaAcordei dando bom dia Vietnã. O pão estava ruim, o suco aguado, o Guaravita sem gosto e sem açúcar. Andei até a janela e dei de cara com um céu carioca nublado. Troquei de roupa e fui andar pelas ruas, pela praia, por mim e pelo mundo. Olhei o jornal de sempre e pensei nas criancinhas, os simpáticos pequeninos da mídia sem misericórdia. Crimes e castigos, juízes sem padrão ainda de roupão escolhem suas propinas propícias.

Deu vontade de cantar, apesar de tudo e todos. Ontem levei um tombo, mas sorri, vi o pecado e sorri. Fui até pedida em casamento. Sorry. Buscando peixes no mar, olhei marcas na areia. Pés se arrastando, alguém namorara na madrugada, a borracha mo disse. Ainda há namorados românticos e eu enjoei só de pensar.

Arrumei minha casa e tirei o pó, da casa e de minha cara. Usei meu batom novo e gostei. Droga, ainda não larguei o cigarro, mas livrei-me da tosse. Canto e faço poesias, visto um jeans e vou à luta. Sou magra agora e gosto do que vejo no espelho. Ou melhor, do que posso ver, já que escondemos tantas coisas de nós mesmos. Acreditamos em nossas mentiras e elas tornam-se verdades absolutas. C’est la vie.

Olhei para a pedra romântica e tentei contar quanto tempo fazia que eu não namorava lá em riba. Às vezes é chato ser carioca, esta praia está me irritando hoje. Sem sol, ou beijo. Estou sem fome. Aquele pão tava cru.

Joguei livros fora e queimei DVDs. Queimei a língua ao beijar minhas blasfêmeas. Vou filmar minha alma: drama ou comédia? Há que ser decidido. Falarei com o editor de imagens. Sem cores. Só o jeans é azul.

Vontade de ir à Santa Teresa, andar no bondinho da solidão e lá de cima levantar vôo. Mas sozinha, melhor entrar na padaria e pedir um café sem açúcar. Cazuza de novo? Eu não louvarei os mortos. Prefiro fazer silêncio na Capela Sistina. Talvez observar uma obra de arte. Ou fazê-la. Pousarei para o meu inimigo? Nua? Não, faz frio hoje. Fico no café.

Minha alma anda rebelde e imagino que ela reluta em prostrar-se, a carne treme, parece dominar-me, ai de mim. É que esse jeans, sei não. Sinto medo de me apaixonar, são falsos os controles quando se tem saudades. A carne não aceita orar e nem ficar solteira. Chã de dentro, músculos indecentes. Ai de mim.

Ouço um absurdo silêncio nas janelas de mim. Isso me assusta, vem algo pelaí, ou estarei louca? Nenhuma gaivota me faz companhia, homens emburrados passam, e mulheres sem seus maridos desejam o próximo, que triste. Armadilha de um senhor destino que nunca amou, não sabe o que faz. Mas quem sabe?

Errar é humano. Pedófilos o atestam nos jornais. As criancinhas de Jesus gemem esperando a promessa. A carne é fraca, o doente tem cura? Ai das criancinhas. Sê conosco, socorro.

Derramei o café, distraída com esses homens infiéis, essas moças cruéis. Estou enjoada, vomitarei essas digressões e cantarei uma canção que eu fiz. Lá-rá-rí eu me perdi de você. Ano que vem esqueço e recomeço, afinal amar é preciso. Tomar banho sozinha é monótono. Quem pega o sabonete Nívea?

Quero escrever crônicas. Irônicas crônicas, somos comédias. Eu já fui patética até. Quero escrever qualquer coisa que me tire a solidão. Roteiro ou lista de compras. Tá valendo tudo. Quero ser feliz.

Arthur

arthurEstava sentado à beira da ferrovia. Triste, esperava o trem, na estação mais famosa do Rio: estação de um simpático subúrbio. Madureira.

Era cabisbaixo, barba por fazer. O menino, vendedor de amendoim torrado parou.

_ Que rei é este? Andou bebendo? Parece até uma pessoa normal… como eu!

Arthur o olha sem interesse e sussurra:

_ O que tu entenderias de realezas e pobrezas? Acaso queres ser meu conselheiro?

_ Eu queria! – olhos brilhantes.

O homem o olha com mais atenção:

_ Então me digas: de que vale um rei sem sua rainha?

O menino coça o queixo sujo de casca de amendoim:

_ Ih! Deve de ser barra pesada. Ela foi embora? Vazou?

O rei:

_ Sim, a rainha se foi. Quem a levou, provavelmente está muito feliz, pois jamais se verá morena mais culta e formosa por estas bandas.

_ Sim, meu rei, é verdade.

Ficam em silêncio. O trem chega. Arthur se levanta e despede-se do “conselheiro”. Porém, subitamente se volta e pergunta:

_ O que você faria em meu lugar?

O menino, pigarreando o amendoim:

_ Pra você ficar sofrendo desta maneira por alguém que não te merece, acho melhor voltar a ser o rei Arthur de sempre, financiar a escola de samba para o próximo ano e descolar um monte de gata. Rei, hoje em dia, não é como naquele tempo não, chefe.

O trem parte e o homem fica pensativo.

E pela janela vê imagens de seu amor indo embora. Teria uma nova vida, pois era um bom rei. E para boas pessoas, certamente há bons amores.

Rei é rei.