entre as notícias loucas que povoam jornais&TV,
eu antecipo teu sorriso e só assim, posso continuar o dia que mal começou
num sinal fechado com um pivete me ameaçando através da película escura que encobre
os vidros do meu carro. não me assustei quanto devia, pois o tormento
dos dias que se seguem são tão claramente violentos que tudo já parece trivial
por baixo dos meus cílios. liguei o rádio e ouvi uma canção do Chico que fala de um amor
guardado através dos tempos, a ser descoberto por escafandristas do futuro.
pensei em nós e nessa ausência de tudo que é normal que nos acompanha…
não sei teu cheiro, não me conheces o hálito. queria tocar tua pele, teu braço
e peito de remador.
queria minha cabeça no teu ombro e minha voz minha voz reconhecida no teu ouvido.
ah, mas eu também queria tuas mãos torturando minha pele,
encontrando as cicatrizes da alma e da palma da minha mão, onde um dia
a cigana te leu na minha vida: quando tudo parecesse deserto e findo.
ponto e vírgula para dizer que sim, já sei como te ver através dos minutos poucos que
tenho de ti.
estou de malas prontas e o navio me espera, pra cruzar o atlântico,
através de mares&ares, até te chegar e encontrar em meio a uma orgia de
palavras&gentes que nem sei se irás me reconhecer: eu uso óculos, não sei se sabias,
e mal enxergo sem eles, ou preciso estar nua para poder ver o que me passa
através do desejo e da dor desta saudade tensa e insana que me corrompe os dias e sóis,
atravessando minha carne feito lança de herói, ou suspiro ventania de faca
de atirador de circo que amador que é me atinge coração adentro,
te encontrando deitado sobre a minha nuca,sobre minha longa cabeleira
com mechas castanhas douradas pelo sol da minha metrópole cravada entre dois rios
e que proclama a fome e a dor de ser pobre num país pobre, católico por invasão
e incrédulo de tudo ao saber de mim e de ti, assim tão absolutamente desconhecidos
e amados, e desejados e queridos… ah, meu rei, se um dia cruzar contigo na saleta de um
aeroporto de uma pequena cidade no Japão, e eu te reconhecerei. mas e tu?
saberás que sou eu aquela que exala rosas em cada passo,
mas que acende um cigarro atrás do outro enquanto fustiga as páginas
de um livro de poesia e marca com caneta lilás o que acha mais bonito pra amanhã
ou depois te repetir através da galáxia láctea ou azul que é a cor do meu jardim,
que por hora não aflora pela imensa falta que faz esta tua voz quente aqui no meu
labirinto de ouvir.
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