O MERCADOR DE SONHOS – Marcello Schweitzer

mercador

MAIS UMA HISTÓRIA DE MORSERUS

Este novo conto do escritor Marcello Schweitzer, traz uma perspectiva a respeito de nossas mazelas hediondas, aquelas que estão alojadas nas profundezas da alma. Entendamos por alma, a consciência latente que nos guia ou nos faz perdermos-nos nas tantas celeumas dramáticas que envolvem a vivência humana.

Hora de parar de associar MORSERUS ao ser humano. Para quem – ainda! – não conhece os contos desse promissor escritor, não são assim simplesmente contos. Há toda uma construção com ambientações, personagens incríveis, e um túnel obscuro que nos leva a um mundo onde não há seres humanos. Entretanto, os personagens, animais tais como Porcos, Coelhos, Ratos, Gorilas, Leões, Gatos e Cães são, incontestavelmente, espíritos dotados de inteligência suprema, o que faz deste mundo quase lendário um lugar que o leitor entra e não deseja mais sair até que o drama esteja resolvido. Esta é um técnica que gosto muito, a de fazer o leitor participar da história sem nenhum chamado aparente.

Não há mistério em entender por que os contos de MORSERUS nos prendem do começo ao fim, e que quase nem respiramos durante a excitante leitura. Trata-se de uma busca incessante por respostas que o homem, aparentemente, desistiu de encontrar, por isso o escritor nos chama de volta às reflexões, das mais simples às mais complexas.

Em O MERCADOR DE SONHOS, Schweitzer nos apresenta Ollie, um jovem porco, angustiado e sonhador que, como qualquer adolescente, cria fantasias, odeia sua vida, e imagina outas possibilidades diferentes da sua, debulhando-se em lágrimas por um amor impossível.

Ollie é solitário, o pai o deixou para formar outra família; na escola sofre bullyng, e é constantemente ofendido pela mãe. Sua esperança é reencontrar o tal amor, pois não se esquece daquele primeiro beijo.

O conto é mais uma obra deste peculiar autor que vive no limiar da humanidade, e filosofa a vida de forma inebriante, a partir deste mundo novo – da morada das angústias, dos questionamentos, das transições morais, das escolhas, e do discernimento entre o bem e o mal, tudo visto com olhares de MORSERUS, pela ótica de seus personagens animais que, espantosamente, se mostram mais racionais e humanos que o próprio ser humano.

Através do jovem e prodígio personagem, descortina-se uma batalha que decidirá se ele, em sua depressão, irá fazer as escolhas certas quando, depois da invasão de uma lacraia rosa em seu ouvido, o rapaz adentra um portal que o leva a uma profunda reflexão sobre sua vida e seu futuro. Ele se depara, assim, com o Mercador de Sonhos, personagem místico e misterioso, adornado com máscaras de ossos, que o conduzirá à mais sinistra viagem de sua vida.

A princípio pode parecer que se trata de mais uma metáfora para perscrutar a vida ou, se nem tanto, ao menos buscar fundamentos para vivê-la. Contudo, eu não diria isso, sendo MORSERUS um lugar inimaginável onde o autor, que também é roteirista, descreve-nos, nos mínimos detalhes, não somente seus personagens e os mais fantásticos ambientes como, com a mesma intensidade nos envolve com a postura intelectual e filosófica desses seres viventes.

Schweitzer consegue criar uma inusitada “antropologia”, pois, como disse acima, seus animais parecem mais humanos que qualquer um de nós, porém sem perderem traços de suas características primárias. Coisas de autores geniais.

“No mundo da superfície você tem a ilusão de ser apenas uma coisa. Nas ilhas você pode se ver mais claramente.”

O que seriam essas ilhas? Camadas de nosso interior, ou algo como a diversidade dos eus ou, quem sabe, sejam essas ilhas o verdadeiro mergulho que jamais teríamos coragem de experimentar?

Neste mundo fantástico, as coisas acontecem desta forma: não há temor algum, e nada é empecilho para se questionar, desde a origem da vida à iminente morte de todas as coisas. E Ollie, o porco inconformado com sua situação moral, surpreende-nos com suas descobertas, a ponto de nós mesmos nos perguntarmos se estamos, de fato, certos de nossos caminhos.

A história do jovem questionador vem de encontro ao pensamento freudiano, onde se afirma que a felicidade é a realização de um desejo pré-histórico da infância, e é por isso que a riqueza contribui em tão pequena medida para ela. O dinheiro não é objeto de um desejo infantil.

Parabéns, Marcello Schweitzer, por mais essa obra.

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