Do Blog Livros Abertos
Acho complicadíssimo falar em literatura boa e literatura ruim, até porque as coisas não funcionam necessariamente como uma dualidade. Mas, se compararmos os romances de capa mole vendidos em bancas de revista e cujo título é um nome de mulher a uma obra como Ulisses, de Joyce, fatores como qualidade da narrativa, alusões à história, mitologia e saberes diversos, profundidade de reflexões e o próprio cuidado com a edição e revisão, que complementam o livro no sentido do que se convencionou chamar de obra de arte, me forçam a dizer que o segundo é, de alguma forma, superior ao primeiro. Joyce, portanto, é o vitorioso nesta briga desleal. Analisando a questão por outro prisma, Ulisses tem um diferencial importante em relação aos folhetins baratos: é mais difícil de ler, e exatamente porque exige maior capacidade de apreensão, mais conhecimento e maior intimidade com a literatura. É um entretenimento e tanto para os que vivem rondando as bibliotecas e livrarias, mas talvez não seja a obra de cabeceira daqueles que estão dando os primeiros passos em direção a elas. É, portanto, muito mais fácil para um habituado às obras literárias ler e gostar de folhetins ordinários do que o contrário – um iniciante ler e gostar de Joyce. Então, usando o adjetivo pejorativo e irônico, embora levemente equivocado, podemos dizer que a literatura ruim é uma unanimidade. Não a mística, esotérica ou pedante, o que exclui automaticamente uma porção de autores ligados a essas temáticas, e nem de autoajuda (que nem arte é), mas simplesmente ruim.
Cansaço, despreocupação, vontade de se entregar a um prazer cheio de culpa: nesses casos, a literatura ruim é uma salvaguarda. E o mundo está cheio dela. Romances policiais, romances açucarados, romances de terror… Quantos se conhece? Mas há uma autora tão ruim que chega a ser sensacional, e tão cafona que chega a ser kitsch, que é uma ilustre desconhecida. Conhecem V.C. Andrews? Pois deveriam conhecer.
Observem a capa deste livro:
Tem como ser bom? Não, não tem. E não é bom. O editor, o diagramador, o responsável pela arte, todos eles estão alertando, apelando, apontando para a má qualidade da obra. Quando retira aquele livro da prateleira, qualquer um sabe o que vai levar para casa. Todos os elementos que compõem a imagem aludem à desgraça do enredo, que, por sinal, é fantástico: “Ela era a resposta para todos os sonhos de seus novos pais… mas tão frágil quanto uma borboleta. As aventuras e desventuras da órfã Janet Taylor, de 12 anos, estão em Borboleta, primeiro volume da Série Órfãs, de V.C. Andrews. Para a pequena menina, seu mundo sempre fora o orfanato, com suas brincadeiras cruéis e o desejo silencioso do dia em que teria a própria família. Acolhida como filha pelo casal Sanford e Celine Delorice, que a afasta de seu trágico passado, Janet custa a acreditar que finalmente ganhará um lar e uma família. Seu novo pai é bonito e gentil. Celine, a mãe, embora confinada a uma cadeira de rodas, é a mulher mais linda e elegante que Janet já conheceu. Ansiosa em proporcionar alegria aos pais, Janet procura agradá-los com todo o empenho. Mas dança sobre uma frágil teia de felicidade, jamais sabendo o que poderá acontecer se um filamento romper…”.
GENIAL! PÉSSIMO! P*TA QUE PARIU, QUE LIVRO RUIM! Tão ruim, mas tão ruim, que dá uma vontade de abrir e começar a ler na frente da lareira, em um domingo de inverno, ou na beira da praia lotada no auge do verão. É como junk food: a gente sabe que é uma porcaria, mas gosta. A diferença é que as histórias da autora não exigem esforço nenhum, de órgão nenhum, para que sejam digeridas. Viram? Fiz uma comparação horrível, de um mau gosto impressionante, típica da má literatura.
Eu li muitos livros da V.C. Andrews. Quase todos, suponho. Quando eu era criança, minha mãe já tinha a coleção de obras traduzidas para o português praticamente completa (foi mal, mãe). E aí comecei a lê-los, ainda bem pequena. Um pior do que o outro, mas todos igualmente divertidos. Depois que se começa a leitura de um, é difícil largar.
As temáticas são escabrosas, mas abordadas como se fossem rotineiras: incesto, estupro, brigas de família, decadência. As histórias são um turbilhão de cafonices, todas elas cheias de reviravoltas estapafúrdias e acontecimentos bizarros. As ilustrações (principalmente das edições mais antigas, compradas a preço de banana em sebos) são tão feias que chegam a ser uma gracinha.
Recomendo fortemente toda A Saga dos Foxworth, além de Minha doce Audrina e Raven. Sintam só a sinopse: “Vivendo com a mãe bêbada em um apartamento, uma jovem de 12 anos não se cansa de sonhar com um verdadeiro lar. (…)”.
Corram para os sebos, preparem um drinque com rum com coco e guarda-sol na borda, vistam uma peça de roupa de veludo molhado, abracem o pinguim da geladeira, coloquem Sidney Magal para tocar e deliciem-se. Diversão garantida ou sua dignidade de volta.