Aforismos de Henri N. Levinspuhl
O que uma geração chama conhecimento, sua ciência, pode não passar de uma presunção tão descabida que caiba desmascarar seus “entendidos”, mesmo a pretexto de aprender deles. Pois combater a falsidade indiretamente pode ser, nas situações críticas e obstinadas, razoavelmente eficaz, já que a oposição aberta se assemelha à inimizade, e os que a ouvem não raro resistem. Quando os corações se endurecem; quando, sem suportar a mensagem sã, populações inteiras sentem comichão nos ouvidos, a comunicação indireta pode ajudá-las, se os cuidados para não escandalizar o interlocutor não a afastarem tanto do alvo que se torne impossível atingi-lo. Cumpre averiguar ainda a exequibilidade do plano benfazejo, pois um esforço prévio considerável é requerido, não suceda que, insciente de seu despreparo, o bem-intencionado se erga desengonçado contra os extravios altivos. Assim só se exporá à irrisão dos sofistas letrados – e não deixa mesmo de ser cômica a situação de quem, contra enormes presunções, presume de si. Se bem que seu desígnio quixotesco tente fazer algo, enquanto outros, embora mais aptos para desenganar as vítimas da insensatez, buscam licença em tempo de guerra. Ora, está bem que a princesinha assista à peleja segura da janela do castelo, mas o cavaleiro bem armado deve comparecer ao campo de batalha. Os anos de seu empenho não são desfavorecidos, tanto mais não ponha a confiança em si mesmo. Aliás, a magnitude da tarefa basta para a compreensão da necessidade de um auxílio extraordinário a compensar a incompetência humana. E se após aperfeiçoar suas habilidades ao máximo, o cavaleiro chega a proferir o que convém apropriadamente, ainda pode ser deturpado e desprezado. Porque não é só saber quem diz o quê; por exemplo, discernir se quem fala contra a vaidade é o próprio Salomão ou um almofadinha vaidosíssimo. Para colher o riso, o mais brilhante dos comediantes depende do estado de espírito do espectador, e não apenas de sua arte e proficiência. E se é bom dizer bem o que é preciso, muitos não ouvirão mesmo assim. Ah, e não pode dar-se que quanto mais relevante seja a verdade a dizer, menos chances lhe deem para dizê-la? Uma geração endurecida não a quer escutar; e muitos que gostariam de ouvi-la não o podem, seja porque quem está genuinamente preparado não quer falar, seja porque os meios de transmissão e comunicação foram ocupados por gente que, enciumada ou antagônica, impede o homem já razoavelmente preparado de comunicá-la. Isso, em certo sentido, é desanimador. Que dizer de um país, uma cidade ou uma comunidade onde os mais preparados não têm chance? Quão pobre é o lugar onde só a mediocridade tem vez, quão vil se torna uma nação onde só prevalece a mesquinhez com suas espertezas! Mas quem por muitos anos se preparou sem que as portas se lhe abrissem ainda pode aprender a falar do lado de fora. Aliás, que lhe falte um ambiente especialmente preparado para o discurso pode levá-lo a integrar sua mensagem em qualquer lugar e situação. Assim Cristo ensinava onde estivesse, e assim Sócrates subiu ao palco. No primeiro ato de sua tragicomédia, aquela gente famosa era de uma receptividade toda prosa, ao imaginar que ganhara um discípulo quando sequer podia ser aluno do “aluno” que ali vinha desiludi-la de sua “ciência”. Em seguida, conforme bem ensinou Hamann, as “expectorações e secreções da ignorância socrática” acabam por aterrorizar os sofistas eruditos “como os cabelos da Medusa e a maçaneta da Égide”. E no terceiro ato, os mais obstinados se juntam para caluniar e acusar quem só lhes procurou arrancar o engano envenenador de suas almas.