O sumiço dos livros

Era ano novo. Uma virada na vida daquele povo. Muitos fogos. Finalmente a liberdade! O decreto saíra minutos antes da meia noite. Homens, ministros e príncipes trabalharam muito. O povo estava livre. Não haveria mais livros naquele reino. Chegava de leituras, religiões, escolas, filosofia, romances, poesias, ficção científica, ficção.

Buba subiu as escadas, meio bêbado. Estava naquela casa havia muito tempo. Sempre fora um criado esmerado. Atencioso e servil. Não entendia direito todo aquele reboliço, aquela nova lei. Entendia, isto sim, daquela dorzinha no fundo do coração.

Soluçou, de álcool e dor. Urinou um pouco nas calças, mas dera tempo de ir ao banheiro. Pegou aquele cartaz de novo: “Caiu a leitura, livros nunca mais!”

O povo, todos falavam em ditadura intelectual. Homens inteligentes – antropólogos, sociólogos, etc. – falavam em reinvenção do Novo Homem. Nova era. Nova aliança.

Buba, simpático e obediente, correu para seu armário e juntou, com muito custo, todos os seus livros. E não lera a maioria. Começara a ler havia pouco tempo. Aos poucos, via desaparecer, no fundo da caixa de papelão Machado de Assis, a Bíblia, José de Alencar, Nietzsche, Castro Alves, Platão, Tio Patinhas, Playboys…

Suspirou quase resignado. Aqueles homens deveriam saber o que estavam fazendo. Eram agora uma ilha obtusa, pensou, com parada cerebral, cercada de países confusos por todos os lados.

Um Chanceler de uma grande nação considerara perigoso tamanha ousadia, abuso de poder. Sem livros, que país sobreviveria? Entretanto, a ilha era um paizinho fechado ao mundo, auto suficiente e muito bélico. Paradoxo serem eles tão tecnologicamente armados. Tinham até a tal bomba invisível, que matava pelo ar. Um assombro.

O pobre homem deve ter passado horas com Gonçalves Dias sobre as pernas, as velas estavam por um triz. Minha terra tem palmeiras… minha terra tem palmeiras… Acariciou um Lenin, bocejando. Estava tão orgulhoso de sua humilde biblioteca. Adormeceu, ouvindo sabiás.

Acordou com os cacetetes dos guardas. Estava sendo levado ao cárcere. “Memórias do cárcere”. Graciliano Ramos. A professora, os seios arfando sobre a, b, c, d, e… tão linda. Casaria com ela pouco depois. A cabeça doía. O sangue tinha gosto de revolução. Mas era século vinte e dois. Câmeras por todo lado. Chips nos pulsos. Nova era. Sangue e Charles Bukowski. Os seios da professora moreninha. Dormiu.

A primeira visão que teve foi de seu filho chegando com a mãe. Estivera sonhando. Riu, com a boca ressequida. O garoto subiu no colo do pai, o abraçou e beijou.

Buba perguntou: Quer que eu leia uma estória? Mas o filho arregalou os olhos para o pai e gritou: Mamãe, o pai endoidou! Buba, assustado, olhou para a esposa e o filho diversas vezes. Com horror piscava os olhos, enquanto o filho ria: Esqueceu que aqui não temos livros?!

Feliz Natal! Sejam bonzinhos o ano todo ho-ho-ho!

Apesar de receber visitas anônimas todos os dias – às vezes chegam a quatrocentas -, nada é mais confortável e feliz que a visita dos amigos.
Ando meio distante, mas percebo que a fidelidade ainda há nas pessoas. Porque mesmo sem direcionamento de posts, sem disciplina ou regras para escrever (ando desanimada), noto que alguns lindinhos vêm sempre aqui. Uns nada comentam, porém, ficam registrados na caixa de visitantes.
E há os que sempre comentam, o que para mim significa um “oi, não desista, to aqui, amiga”. É o caso do Erwin, aliás um dos maiores escritores da rede. Vale a pena visitá-lo, no Non Liquet. E o amável Luciano Alves, do Máquina de Letras. O Ask the Dust, super site de moda e informações que nem sempre comenta.
Tenho feito poucas visitas, mas gosto muito do Libru Lumen, não por acaso é o Blog do Jeff, tantas vezes professor e revisor meus (não esqueci teus livros).
Eu queria escrever um conto saidinho sobre natal e perus. No entanto, preferi fazer esta homenagem aos que, mesmo vendo minha flagrante desvontade de escrever, ainda me prestigiam com suas visitas.
Desejo a todos um Natal tranquilo, de paz. Dinheiro no bolso, amores calmos. Roupas elegantes, ou nus. Um Natal com a família ao redor. De reflexão e sinceridade. Rabanadas, vinhos e bacalhau. Que possamos ser boas pessoas o ano todo, lapidando as saliências da ignorância, buscando a luz aquela, enfim, tá na hora de sermos humanos de fato. Amar o próximo é tão difícil quanto necessário!
E tenham certeza que, apesar de virtuais, são, de fato, amados pela Dai.
Beijos no coração, pulmão, boca.
Feliz Natal!

Sugestões de presentes para o Natal: Para seu inimigo, perdão. Para um oponente, tolerância. Para um amigo, seu coração. Para um cliente, serviço. Para tudo, caridade. Para toda criança, um exemplo bom. Para você, respeito.

Oren Arnold