A mulher como objeto sexual na Literatura

Equívocos de um misógino

Alguns escritores (?) não sabem mesmo a diferença entre um texto com linguagem coloquial/vulgar, e um bom texto com linguagem coloquial/vulgar. Trata-se do trabalho concorrente no Duelo de Escritores, do jornalista Fábio Ricardo, intitulado Sobre paus e pedras. O tema para o desenvolvimento do texto, seja conto, poesia, ou crônica, foi “Paquera”. ou “Flerte”. Ninguém saberia dizer qual parte do tema o autor não entendeu, dispondo um amontoado de palavras toscas e desconexas, totalmente inclinado ao machismo, o que, por si só, retiraria todo o  charme do texto.

Todavia, a coisa vai mais longe. Parece mesmo que o autor estava embriagado ou com uma tremenda dor cornícula ao escrever tal texto. O personagem é pedante, doentiamente fanático por sexo, e patologicamente mentiroso. Criar um personagem mentiroso é difícil, pois, não raro, ele se confunde com o autor, e, neste caso, tudo indica que sim, que a  personalidade do escritor migrou para tão sofrível trabalho literário, se é que podemos classificar um caminhão de palavrões como Literatura.

Falar de paquera e de mulher, ou vice-versa, não carece de uma linguagem tão chula, obscena e pornográfica, e até ofensiva para um leitor bem intencionado; para uma leitora então, fiasco total.

Devido às mudanças na sociedade humana, fica descabido uma redação  tão machista, vinculando a paquera à vagina, como se, em pleno terceiro milênio, a mulher ainda fosse objeto de falsos intelectuais. Eu até tentei entender o personagem, mas não o reconheci em nenhum arquétipo, e em nenhum lugar, a não ser na mente do escritor.

Para a maioria das mulheres e leitoras, um texto destes é risível (no mau sentido mesmo), já no primeiro parágrafo:

Eu não sou um cara bonito. Longe disso. Ok, bem longe disso. Mas mesmo assim eu tenho um jeito com as mulheres. Um jeito, é. Como posso explicar? Eu como mulher pra caralho.

Não sei se trata-se de regionalidade, pois que em muitas partes do mundo e do Brasil esse discurso não existe mais, graças a Zeus. A vulgaridade é tanta que chego a questionar se não foi proposital. Quem sabe o autor e proprietário do blog, Fábio Ricardo, não esteja com alguma frustração na alma, e se aproveitou, cegamente, de uma oportunidade para descer ao mais baixo nível literário, em nome de alguma raiva pessoal.

De qualquer forma, o texto é tão horrível, repleto de erros e de palavras grosseiras em relação às mulheres, que não resisti em apresentar-lhes um dos trabalhos mais infelizes que já li, não no Duelo de Escritores, mas em toda minha experiência de blogosfera. Lamentável assistir tamanho vitupério sociológico contra as mulheres. E, não podendo fazer nada, lavo minhas mãos e consciência, divulgando tanta sujeira literária aqui. Mais uma coisa, leitora e leitor: se vocês têm estômago fraco, ou são sensíveis demais, não leiam, pois aquilo é a bactéria das fezes de Bukowski.

Trechos do texto:

Quando eu era garoto eu não pegava ninguém. Nem sequer conseguia beijar alguém, imagina só comer.

Eles não são homens o suficiente para suas bocetinhas juvenis. Vagabundas.

Depois que comecei a agir assim, as vagabundas incrivelmente ficaram afim.

Sabe a menina de cabelo encaracolado, unhas mal cuidadas e a boceta peluda?

E não to falando daquelas vagabas que dormem com qualquer um.

… suas bocetas batem palminhas para o Almodóvar.

Uma mulher não aceita que o cara esteja mais preocupado em terminar de ler uma notícia de jornal do que em foder com ela.

Nada mais me resta, depois de tão insólita aventura, a não ser classificar o blog Duelo de Escritores como o pior espaço virtual  literário brasileiro da atualidade.

O problema do mundo de hoje é que as pessoas inteligentes estão cheias de dúvidas, e as pessoas idiotas estão cheias de certezas…

Crarles Bukowski

Inté!

Copacabana Princesinha do Mar Desafiada

                                                           De costas para as proibições!

Ótimo! Aliens no Duelo de Escritores. Quero ver, mui sinceramente, essa corja falsária anti-carioca escrever um texto sobre COPACABANA, e ainda por cima, proibida  de usar tudo que nós temos, ou seja, TODAS as carecterísticas de nossa cidade maravilhosa, nossa cultura! Inveja se, não sei. Mas que estou rindo até agora estou! Uma característica de quem não se garante no que faz, é idolatrar quem faz. Nós não fazemos isto. Por mais que o currículo de José Castello seja interessante, não confere a ele nenhuma coroa de deus.

Confiram a lista de proibições e o desafio:

EXERCÍCIO DAS PROIBIÇÕES

Escreva um conto, que tenha no máximo 5 mil caracteres com espaços, ambientado na praia de Copacabana. As 100 palavras que constam da lista abaixo não podem ser usadas, estão proibidas. A idéia desse exercício é levar o aluno a refletir sobre as facilidades oferecidas por clichês, lugares comuns, e tudo o mais que escrevemos “sem pensar”. Eles podem ser úteis para a publicidade, para o marketing, para a propaganda, até para o jornalismo – não para a literatura.

Lista da proibição do ditador (Só no Duelo de Escritores mesmo):

1- água de coco
2- amendoim
3- areia
4- asa delta
5- avião
6- barco
7- barraca
8- barriga
9- bermudas
10- bíceps
11- biquíni
12- bicicleta
13- biscoito
14- bola
15- boné
16- bronzeador
17- bunda
18- cachorro
19- calçadão
20- calor
21- camarão
22- caminhada
23- campeonato
24- canga
25- cedê
26- cerveja
27- céu
28- chapéu
29- chinelo
30- chuva
31- cochas
32- cooper
33- COPACABANA
34- conversa fiada
35- domingo
36- ducha
37- esporte
38- esteira
39- estrela
40- flacidez
41- futebol
42- futevôlei
43- galera
44- garota
45- garotão
46- ginástica
47- horizonte
48- ilha
49- jornal
50- livro
51- lua
52- mar
53- mate
54- mulher
55- músculos
56- namoro
57- navio
58- oceano
59- óculos
60- óleo
61- ondas
62- panfleto
63- paquera
64- patins
65- peitos
66- pelada
67- peteca
68- picolé
69- praia
70- prancha
71- propaganda
72- protesto
73- protetor solar
74- publicidade
75- quiosque
76- rádio
77- rede
78- refrigerante
79- revéillon
80- revista
81- sábado
82- sandália
83- sexo
84- show
85- sol
86- som
87- soneca
88- sorvete
89- suco
90- sunga
91- suor
92- surfe
93- tanga
94- tênis
95- tira-gosto
96- toalha
97- trânsito
98- turma
99- vôlei
100- Voo livre

Detalhe, qual deles sabe o que é ser carioca?!

Segundo José Castello, falar de Rio de Janeiro, Copacabana e seu perfil cultural, é CLICHÊ.  Certamente não haverá UM único carioca participando desta sandice. Desta vez, vou chamar um jornalista que é escritor e crítico literário e, hahaha, carioca! Seria cômico se tivessem praia.

Castello é descendente do Piauí. Seu pai, José Ribamar Martins Castello Branco, migrou de  Parnaíba, no Piauí, para a capital do Estado do Rio de Janeiro onde estabeleceu-se.

Castello, ingrato, deixou tristes os cariocas. Bom convidado para o Duelo de Escritores. Combinação perfeita de falsos intelectuais e/ou artistas.

Minha pergunta, enquanto tomo água de coco em minha cidade maravilhosa, é: Por que essa gente metida a intelectual, gente encanada, de bobeira, não se conforma com seus Estados? Por que, ó, Pepeu, tanta inveja de nossas asas deltas e de nossas gatas?

Do nosso surf, nosso vôlei, nossos shows nas areias de Copa, nosso revéillon, o picolé do Zé, as ondas, a gíria (essa não entrou, seria demais). Enfim, se o Duelo buscou uma reviravolta, tomou caixote, daqueles que só carioca encara!

E, aos alunos de José Castello, este que nunca pegou onda, deixo minhas sinceras condolências. Boa sorte aos duelistas, mas sei que tomarão uma tremenda sunga arriada.

Eu iria aliviar, mas não dá, alguém precisa fazer algo hehe. A pior das participantes, Natália Oliveira,  comentou – será que ela estava careta? – “Gostei do desafio.” Paguemos para ver.

Inté!

Manchas na Literatura Amadora

Não é por ser amadora que a Literatura dar-se-á ao desbunde de tantos desagravos. Eu jurei, fui à macumba, subi as escadarias da Penha, fiz vodu, trato com o capeta, e regressão para falar com Jung. Contudo, não consegui me desvencilhar dessa cachorrada (no mau sentido) que estão fazendo com as Letras no (adivinhem?) Duelo de Escritores. O pai-de-santo até sugeriu que trocassem o nome do blog para DUELO DOS DESATINADOS. Sério, lembram daquele texto que falei, o da Natalia Oliveira, a autora daquela obra repleta de confusões? Ela mesmo! Quando eu disse que Pesadelo real poderia vencer, eu o disse desanimadamente, uma vez que se aquele texto ganhasse, o Duelo estaria chafurdado na miséria literária. Até aí, ainda não me sinto totalmente chocada. Eu já havia feito as previsões, entretanto, estou de volta ao assunto por demais inebriante para uma jornalista e crítica (amadora porém decente) porque nem Dalai Lama me convencerá a ter generosidade diante da Soberba. Os rabiscos que venceram a rodada levaram o Duelo de Escritores ao caos total. Hecatombe. Só pode ser conspiração marciana. A “escritora” Natalia Oliveira escolheu para a próxima rodada (pasmem!) o tema MANCHA. Sim, estou falando sério, leitores. Depois de borrarem, com tinta fluorescente, a literatura brasileira, o que posso dizer é que estarei bem aqui, esperando as “obras literárias” que virão. Enquanto isto, continuem mandando e-mails para mim, mas não sejam tímidos, comentem. Este é um país livre, gente! Ninguém pode matar ninguém, a não ser o Duelo dos Desatinados que está, gradativamente, trucidando a arte. Para quem não acredita, dê uma olhada neste artigo. Unbelievable.

Comentário da vencedora, Natalia Oliveira:

Que pena que não foi um tema novo, mas espero que quem já fez este tema pense em um novo texto como desafio, afinal existem muitos tipos de mancha.

Sem mais.

Inté!

Antônimos de felicidade

Aquele era um casal realmente diferente.

Desde quando namoravam, aos dezoito anos, brincavam de inventar códigos para tudo.

Trocavam palavras, usavam metáforas e toda sorte de símbolos ao se comunicarem na presença de outras pessoas. Desta forma criavam um mundo só para si.

Os amigos, familiares, e mesmo pessoas estranhas ficavam perplexos com aquele estranho casal.

Se queriam falar ‘estou com fome’, diziam ‘satisfeito’. Em lugar de ‘eu te amo’, ‘a guerra começou’.

O mais engraçado era quando queriam dizer ‘vamos para casa fazer amor’: ‘não agüento mais viver!’.

Acostumaram-se tanto com essa estranha forma de se comunicar que chegaram ao casamento com tal vício.

Como todo casal que passa a conviver, as brigas começaram. E para essas o código era radicalmente observado, pois não admitiam que os vizinhos soubessem de suas crises. Então, quando brigavam falavam exatamente o oposto do que realmente queriam dizer.

Antônimos que deixavam quem escutasse confuso. O tom não era amistoso, muitas vezes gritavam com raiva, mas falando sempre o contrário do que queriam realmente dizer.

Numa noite, os ânimos estavam extremamente alterados.

Ele:

_ Casar com você foi a melhor coisa que eu fiz!

Ela:

_ Pois é, eu também te amo cada vez mais! Não finjo orgasmos, não o traio e nem gasto nossa poupança com amantes garotões!

Ele, cada vez mais irritado:

_ Eu também não tenho amantes. A secretária, jamais a olhei com outros olhos que não fossem profissionais!

Ela (iracunda):

_Jamais vou mandar você dormir na sala, eu te amo!

E assim a conversa entrou madrugada a dentro, até que ela bradou:

_ Se sua mãe tivesse morrido semana passada teria avisado!

_ O quê?!

_ Eu avisaria também se vendesse a cobertura de Copacabana para fugir com um garotão, se existisse um!

_O quê?!

Silêncio total.

De repente o homem começa a gritar:

_ Eu não a matei, eu a amo, eu não a matei!…

E ouviam s voz rouca e moribunda da mulher dizendo:

_ Eu também não pus veneno no seu vinho, eu… te amo.

Surtos

A minha vizinha, eu via da janela, cismou que seria uma blogueira. Intelectual. Séria e romântica.

Aprendeu com a filha a mexer na internet. Caiu no chat, no vírus, spams e tudo que tinha direito.

Começou a visitar blogs e sites. Ela queria ser lançada como uma sumidade na rede.

Fez uma lista de assuntos interessantes: música, notícias femininas, psicologia, literatura. Sim! Falaria de livros! – decidira.

Quando a filha chegasse da escola, daria a ótima notícia. A garota, mal humorada, espinhuda e reprovada no ano letivo, em português e literatura, finalmente chegou.

_ Minha filha! Tenho novidades! Vou escrever sobre literatura!

_ Mãe. Não começa. Tive um dia ruim na escola!

_ Você não está entendendo! Vou ser blogueira, já visitei um monte de blogs e sites que falam do assunto.

A adolescente olha para a mãe como se olhasse para seu pior inimigo. Não escondendo a raiva:

_ Como você pode escrever sobre livros se você não lê?!

_ Já pensei nisso também. É muito simples: Eu copio resenhas e posto em meu blog. Sua mãe é esperta, garota!

A menina pensa em voar no pescoço dela. Pondera.

_ Depois conversamos. Fui reprovada em literatua e portugês. Não li a merda do livro de Machado de Assis!

A mulher, nas nuvens, continuava:

_ Já estou decorando um monte de nomes de escritores famosos. “Machado de Assis” você disse?… É aquele português de poesias?

A menina cospe fogo.

_ Não, mãe! Esse é o Fernando Pessoa!

_ Não importa. A partir de hoje sou uma intelectual!

A filha joga a mochila no chão e começa a chorar de raiva.

A mãe, ressentida:

_ Você só pensa em seus problemas. Passei a vida inteira cuidando dessa casa, de seu pai que já morreu, e morreu tarde, o traste…

A garota não aguenta mais:

_ Mãe, foda-se se você cismou que vai deixar de ser burra! EU REPETI DE ANO!

A mulher corre para o computador, embevecida com seus projetos.

_ Pára com esses palavrões, menina! Isso não é educado!

_ Mãe, eu já tentei de tudo, mas não tem jeito. Eu realmente te odeio!

_ Filha, já ouviu falar em Platão? Cecília Meireles? Daisy Carvalho?

_ Essa última não é ecritora, meu Deus!

_ Mas eu li o blog dela!

A garota avança para o computador e o desliga:

_ Mãe, você nunca vai ser blogueira de literatura. Você sabe tanto quanto eu!

_ Errada, sou mais inteligente. Eu sempre colei e me dei bem. Seu avô jamais ficou sabendo.

A garota começa a gritar.

_ Chega! Chega! Você é burra, mãe. Sem noção. Maluca mesmo!

A mãe, olhar vago.

_ Pensando melhor… vou começar com a Bíblia. Essa eu conheço, fui criada…

_ É o apocalipse! É o fim! Socorro!

_ Filha, escute… Seu pai nunca foi corno, sabe…

Olhos arregalados:

_ Do que você está falando?!

_ Você está revoltada porque acha que matei seu pai do coração…

_ Mãe, mãe! Você surtou. Vou te internar.

Dias depois, a mulher, com um notebook, escreve seus pensamnetos, num sanatório das redondezas: “Tudo porque eu queria ser blogueira…”

Acidente pessoal

Eles estavam no bar desde as dez horas da manhã. Já passava das três. Entre cervejas e cachacinhas entremeadas com carne seca e jilós, os dois amigos iam discutindo eufóricos em maiêuticas alcoólicas.

O mais velho, já com trinta, só tinha uma perna – acidente de moto -, e o mais jovem, vinte e quatro, era adepto da maconha e da vagabundagem contemplativa.

Pernalta solta um contido arroto:

_ Caminhar tem a ver com o espírito. Não existe correr. O tombo pode machucar.

Brilho responde, olhando a vida através da bunda da garçonete:

_ Tu fala isso porque perdeu a perna, morô parceiro?

O outro ri com a boca enfarofada:

_ Por que todo maconheiro fala sem pensar, meu irmão? To falando sério, porra. É filosofia, caralho. Não lê, dá nisso…

Brilho arregala os olhos preguiçosos e se ofende:

_ Quem não gosta de ser discriminado não deve discriminar. Isso é filosofia, otário.

Pernalta:

_ Eu ter perdido a perna não faz de mim um crminoso, certo? Mas, na moral, encher a cabeça de fumaça e ficar de bobeira enchendo a cara é foda. E ainda por cima eu pagando! Com meu dinheiro suado…

Brilho:

_ Ha, ha, ha! Como, dinheiro suado? Essa grana não é do governo? Não foi por causa do acidente, parceirinho?

Pernalta se remexe na cadeira. Toma mais um copo da cerveja e responde magoado:

_ Quer dizer que perder minha perna não custou nada, né vacilão? Eu me joguei da moto só pra abocanhar o seguro? E não é do governo porra nenhuma! É particular. Do Bradesco.

O outro, aplicando colírio nos olhos ri mais ainda:

_ Já reparou que depois que você recebeu essa porra de seguro, passou a se sentir cliente vip do banco? É Bradesco no céu e Deus na terra!

_ Hei! Não seria o contrário? Deus no céu…

É interrompido:

_ Meu irmão, foda-se! Só sei que acho estranho você andar (he, he), foi mal, você ficar se sentindo porque pegou uma grana boa de seguro. Pô, tu tá aleijado, cara!

Pernalta abre a carteira e chama a garçonete:

_ To sabendo que hoje é teu aniversário. Toma aqui esse troco. Compra um presente pra você! – olha para o amigo – Essa bunda é minha, he, he.

Brilho, chateado:

_ Ainda acho que não vale a pena se foder todo pra ter dinheiro. Esse dinheiro aí tem sangue!

O amigo acidentado faz que vai levantar mas desiste irritado:

_ Agora tu exagerou, meu irmão! Vais rachar a conta?!

_ Só se eu arrancar o dedo. Como os caras da yakuza.

_ É uma piada, chincheiro?

_ Não. Uma constatação. To duro.

_ Valeu… Eu pago.

_ Desculpa aí.

_ Tranqüilo, parceiro.

_ Me faz um vale? Minha erva acabou…

Silêncio. Ambos meditam a respeito de dinheiro, estética, morte e mulheres.

Em uníssono:

_ Desce a saideira!

Niltinho apaixonado? hehe!

Era carnaval. Eu me lembro bem porque meu carro tinha quebrado e eu não pude ir para Friburgo descansar de praia e Saquarema.

Resolvi ficar em casa, reciclando-me e em retiro. Quietinha, na minha.

Poria cervejas (muitas) no freezer e ficaria em casa assistindo as escolas desfilarem (nunca consegui me decidir por uma – são todas iguais hehe).

Já estava amando aquela solidão. Eu, meus animais e o silêncio absoluto. Meu cachorro Lobo, um lindo pastor canadense me fazia companhia.

Mas Lobo começa a esboçar latidos em direção ao portão. Visitas? Ah, que droga!…

Olho pela janela e vejo meu amigo Niltinho me acenando e pulando feito louco, apontando para uma menina tímida e assustada, encolhida ao seu lado.

Ponderei e resolvi dexá-los entrar, afinal minha curiosidade falava mais alto: Niltinho com namorada?!

Ele era tão louco por mar e surf que raramente o via com alguém. Pensavam até que éramos caso porque sempre estava no meu pé. Um grude.

Mando ele entrar, já antegozando os momentos de alegria que o cara me traria. Que meu retiro se danasse, eu gosto é de rir! hehe!

_ Entra, Niltinho! O portão tá aberto!

_ Prende o Lobo, ele pode estranhar a Juju!

“Juju”? Olhei melhor a menina e ela era mesmo rosada como uma jujubinha de morango. Então não era surfista, então… Niltinho estava apaixonado!

_ Prende o Lobo!

_ Ele não morde!

_ Só meu tornozelo, né?

_ É brincadeira dele!

_ Né não, Daisynha! Um dia ele leva a sério. Prende ele aí!

Pela curiosidade eu cedo e prendi meu pastor na garagem. Niltinho entra com um saco de peixe na mão.

Sorrindo, tentando parecer um sorriso natural de boas vindas fí-los entrar.

A menina era bem magrinha, linda, mas muito tímida mesmo.

Niltinho enlaça sua cintura e anuncia:

_ Esta é Juliana, minha Juju, né, gatinha? Nos esbarramos na Barraca do Coco ontem! Paixão à primeira vista. Fulminou, né Juju?

A menina faz um esforço sobrehumano para olhar em meus olhos. De onde teria saído aquela minhoquinha? Desculpe mas este era o termo usado para designarmos as pessoas bem do interior que mal sabiam falar hehe. Mas na boa.

Niltinho entra em minha sala, praticamente joga a menina numa poltrona de vime e corre pro meu freezer, claro.

_ Pode beber, Niltinho. Vê se a… Juju quer suco de abacaxi.

_ Não, parceira, ela vai de cerveja, né, princesa?

A menina ensaia com os lábios, mas não consegue falar. Niltinho joga no seu colo magrinho uma lata de cerveja. Ela se assusta e noto que nem tem forças para abrir a lata.

Niltinho atencioso, abre para ela e estala um beijo em sua boquinha tímida. A menina fica vermelha, literalmente e juro que pensei que iria sair correndo. Fez um movimento mas desistiu.

Eu, querendo que ela ficasse à vontade:

_ Juju, você gosta de camarão na brasa?

Ela finalmente me olha:

_ Pode ser… – a voz parecia um suspiro derradeiro.

_ Niltinho, véio, acende a churrasqueira e manda brasa!

Niltinho:

_ Ah, Daisynha, eu pensei em fazer um pirão de bagre! Dá o maior gás! A gente fica fortão, né não? Eu trouxe um montão! – abre o saco pra eu ver.

Olhei pra menina e pude entender o que meu amigo queria dizer. Só de olhar pra ela dava ternura: uma varetinha com perninhas. Tadinha.

Minha cozinha vira um recanto de bagre. Um cheirinho bom toma conta do ar.

Eu olho pra Juju:

_ Mora aqui em Squarema?

Niltinho como sempre responde por ela:

_ Não! Ela é de Jaconé. É cria de lá, né, gatinha?

Jaconé é um municipiozinho entre Maricá e Saquarema. Um lindo lugar entre o mar e a montanha.

A menina não responde porque parece estar engasgada com a cerveja. Seu rosto está em fogo.

Niltinho vai falando enquanto prova o molho do bagre.

_ Ela veio passar uns dias na casa da tia porque o pai dela é um tremendo cachaceiro. Bate nela às vezes. E na mãe dela! Nem o gás ele comprou. Tiveram que cozinhar em fogueirinha no quintal, né Juju?

A menina desta vez se levanta, está disposta a ir embora, tamanho constrangimento que Niltinho, sem perceber, lhe causava. Mas desiste e senta-se de novo.

Mas Nilton não dá trégua.

_ Ele está desempregado e na casa dela às vezes nem comida tem. Aí, ela e a mãe vão para a feira esperar a hora depois da xêpa. Pegam a legumada de graça. Zero oitocentos, sacou?

A menina está em franca debilidade emocional. Eu sorrio sem graça e faço sinal para meu amigo maneirar mas Niltinho, depois de fumado e com cerveja, vira um troço.

E continua a matar a garota:

_ Quando ela era pequena, o safado deixou ela se queimar, ela tem uma cicatriz horrível nas costas. Já falei que tem plástica pra isso!

A menina chora, eu vejo seus olhos rasados de lágrimas contidas. E Niltinho cada vez mais empolgado com o samba na TV e o bagre. Dançando continua falando:

_ O pai batia nela porque fazia xixi na cama até os dez anos! Que safado. Que é que tem fazer xixi? É fisiológico! Todo mundo faz. Apesar  que na cama é meio sinistro, mas eu não vejo por que apanhar por isso!

Niltino sai da cozinha.

Foi a gota d’água.

A menina literalmente saiu correndo! Sério. Niltinho tinha ido ao banheiro e quando voltou, nem deu pela falta da garota. Só quando foi pegar mais cerveja.

_ Ué! cadê  a Juju?!

Eu respondo como que ainda em transe:

_ Se foi…

_ Por que?  Você deixou ela com vergonha de alguma coisa? Ela é muito tímida, Daisynha!

Tem horas que eu penso que convivemos com alienígenas aqui, sabe…

Eu respondo, enquanto olho  a Mangueira desfilar:

_ Acho que VOCÊ a envergonhou falando aquelas..

Ele me corta:

_ Tá vendo aquele cara alí, na ala dos faraós?! Que está com o chapéu na mão?!

Olho pra TV e digo:

_ Sim…

_ É meu parceiro. Já aprontamos muito no Flamengo e no morro! hahahaha! Todo ano ele desfila! É o cara! Grande Duda!

Eu SEI que não deveria mas pergunto:

_ E a Juju, cara?

Niltinho embevecido pela escola de samba fala com um sorriso largo:

_ Puta que o pariu! Queria estar no Rio agora!…

Vale a pena conhecer a figura melhor:

http://dai.lendo.org/niltinho-saquarema-e-a-igreja-universal/

Niltinho, Saquarema e a Igreja Universal

Recebi uma visita inusitada esta semana: Niltinho! Ele mesmo, de novo. Não nos víamos há uns três ou quatro anos. Como sua família mora no Flamengo, eis que ele resolve aparecer aqui no Rio.

Mas desta vez não há nada muito engraçado para contar. Sei lá, depende do ponto de vista. Pode até ser cômico mas tenho minhas dúvidas se não seria trágico: Niltinho está na Igreja Universal!

Eu também fiquei chocada quando ele chegou em minha casa com uma cara pálida, sem bronze e olhos limpinhos. Sem óculos escuros!

Ele me abraçou saudoso e foi logo dizendo:

_ Estou bonitão, né Daisynha?

Bem… de fato sua aparência era a de um ‘obreiro’ com calça jeans (nunca o vira de calça), camisa social, tênis (só o via descalço), mas não saberia dizer se estava mais ou menos bonito pelo simples fato de eu estar diante de uma outra pessoa!

_ Você está… diferente, Niltinho!…

_ Sou de Jesus agora, na boa! Esta é minha onda. Não fumo mais maconha e nem fico de bobeira pegando onda e pescando peixe pra trocar pela erva.

_ Nossa!

_ É, minha filha, Deus é maravilhoso! Está fazendo uma puta obra em minha vida… e você sabe que fazer qualquer modificação em minha vida demanda talento e perseverança, né?

_ Mas (atordoada), quando isso  começou, cara?

Niltindo se empertiga e saca de sua mochila uma… Bíblia! Eu quase não acredito quando ele começa a cantar a pedra dos Salmos pra mim:

_ “Ele converteu rios em desertos, e mananciais em terra seca;…”

Eu, ouvindo a Palavra em plena sexta-feira:

_ Nossa!

_ Tu já imaginou se o Homem resolve secar o meu marzão?

_ Xiii…

_ Vai vendo, vai vendo!… Que estranho abrir logo nesta parte! – coçando o queixo

Noto que o rosto de Niltinho se contorce em franca angústia existencial. Ele guarda sua Bíblia na mochila e sorri. E eu já conheço bem aquele sorriso:

_ Cara, tu já imaginou EU sem pegar onda? Sem pescar meu peixe?

_ Mas se não está pegando onda, tá branquinho igual leite hehe.

_ É, dei um tempo da vagabundagem… Mas sei que a hora que quiser ela tá lá, minha praia de Saquarema, me esperando…

Niltinho estava mesmo transtornado. Eu, esfregando as mãos nervosa já, tento consolá-lo:

_ Mas… olha só: nada o impede de dar um mergulho, né? E pegar sua onda… Pode levar minha prancha que nem to usando, depois, se quiser eu compro uma.

Niltinho estava mesmo abatido:

_ Só tem um problema: como vou pegar minha onda sem uma ‘onda’?

_ Ai, ai… isso eu não posso resolver, cê que sabe…

_ Vamos à praia então, parceira?

_ Sim, aqui no Recreio mesmo, o mar tá legal.

Mas Niltinho queria ir para o Arpoador matar a saudade dos tempos em que se batiam palmas para o pôr do sol todas as tardes.

Fomos então para lá, mas na hora do esperado pôr do sol, o tempo fechou. Niltinho ficou em pânico, pensando na passagem da Bíblia. Voltou para Saquarema muito arrasado.

Isso foi na sexta-feira. Hoje ele me liga feliz da vida dizendo ter resolvido seus problemas:

_ Alô, Daisynha! Tó queimadaço de sol! Que final de semana! Peguei trocentas ondas hehehe!

Como sempre eu pergunto inocentemente e atenciosa:

_ O pastor deixou, foi?

_ Nada!

_ Então…

_ Fumei um dos grandes e conversei com Ele. Tu não vai acreditar: ouvi sua voz dizendo “Vá, meu filho, pega tuas ondas e fique na paz. É tudo natureza, eu que fiz…”

Desliguei o telefone pensando que meu amigo tinha lá suas razões hehe.

Essas estórias de Niltinho parecem invenção, mas não são. No próximo post publicarei sua foto!

Olha o que este maluco já aprontou comigo:

http://dai.lendo.org/mais-uma-do-niltinho-meu-salvador/

Mais uma do Niltinho – Meu salvador!

Eu estava em casa. Niltinho chegou com os olhos esbugalhados. Morar em Saquarema foi de fato uma experiência antropológica. Seria mesmo trágico se não fossem o marzão e os caixotes que eu tomei.

 Não sou surfista profissa mas umas marolas eu encaro sim. Mas nem sempre a gente está sozinha no mar. E o mar de Saquerema é mar aberto, está quase sempre bravo. Mesmo em maré baixa ele é selvagem.

Neste dia estávamos na praia eu, uma amiga nossa e Niltinho. A praia era em frente à minha casa. Chique, né? Bons tempos.

Estava aproveitando para pegar umas ondinhas com body board. Tranquilo. Até Niltinho falar:

_ Daisynha, vai mais pra lá (fundo) que você consegue pegar uma boa!

_ Mas a maré tá virando, cara!

_ Tá não, ainda demora. Dá procê pegar mais umas. Qualquer coisa eu to aqui.

Fiquei um pouco em dúvida porque nem pé de pato eu estava usando. Se o mar sobe eu me lasco. Como disse, eu só brinco, não sou surfista, nunca fui, mas carioca sempre brinca no mar, é nosso quintal.

E lá fui eu dando braçadas pra dentro do marzão de Saquarema, me sentindo a malandra.

_ Niltinho! – eu gritei – qualquer coisa me salva he-he-he!!

_ Vai, maluca! Você é boa, tem disposição!

Minha amiga, não sei o porquê, cismou de cair também. Mas essa não sabia mesmo nada de mar. Pegou sua prancha e foi comigo lá pra dentro. Estava tudo tranqüilo.

Mas quando olhei para Niltinho, me apavorei: ele estava deitado na areia, viajando como sempre e ainda tinha um discman nos ouvidos.

Peguei uma ondinha gostosa e pensei que Niltinho estava certo. A maré não subiria tão rápido.

Ficamos, eu e a amiga de bobeira conversando lá dentro. Ela não parava de falar: ‘meu namorado blá-blá-blá…’

Eu, como sempre distraída, fiquei ouvindo as estórias (mentirosas em sua maioria) de minha amiga.

De repente eu olhei pra trás e vi uma onda que se eu chamasse de gigantesca estaria sendo condescendente. Era uma puta onda mesmo!

Tudo bem, eu pensei, deixo ela passar e na próxima volto pra areia.

Niltinho dormia nessa mesma areia, totalmente entregue em sua eterna viagem alucinada. Niltinho sempre foi um cara totalmente canabístico, sério. Uma coisa.

Minha amiga estava ficando pálida já. Eu disse calma (eu mais ou menos calma).

_ Olha só, gata. Respira fundo e na próxima é só bater os braços e as pernas e saímos daqui.

_ Tá bom, Daisy. Tranquilo. To calma.

_ Sei! he-he-he!

Então veio a onda. Tudo aconteceu muito rápido.

A garota soltou sua prancha e se agarrou a mim. Eu pensei que chegara meu dia. E Niltinho dormindo os sonhos dos justos e do Bob Marley lá na areia. Pensei que se morresse ele seria minha última visão. Ninguém merece, olhar Niltinho enquanto morre afogada por causa dele mesmo.

 

A vantagem de ser maluca é que a relação com a morte é outra, quer dizer, eu não teria noção da dimensão de morrer afogada nos mares de Saquarema he-he-he.

Negócio seguinte. A onda estorou em cima de nós! Pranchas voando e  eu me afogando porque a guria se agarrava em meus ombros, me afundando. Aconteceu umas três vezes: eu emergia para tomar fôlego e ela de novo me afogava para ficar com a cabeça fora d’água.

Todas as vezes que eu conseguia olhar a vida, eu via Niltinho – meu salvador – dormindo na areia, provavelmente sonhando com o Hawai.

No terceiro ‘mergulho’ eu já aceitava a idéia de que iria partir desta pra melhor. Mas só queria fôlego, um pouquinho que fosse, apenas para xingar Niltinho, meu assassino! Depois eu morreria feliz.

Mas como dizem, tem uns santos aí que cuidam de pescadores e surfistas. Mesmo não crendo tanto assim eu acho que alguém nos salvou. O mar ficou calminho e consegui nadar até a areia. A menina também. A menina? O demônio que me mostrou como os peixes se sentem fora de seu habitat. Me senti com aquela boquinha deles abrindo e fechando até virar pirão.

Enfim (ufa!) chegamos à areia. Me joguei quase desmaiada ao lado de Niltinho. Tentava recuperar forças para esganá-lo ainda dorminndo pra ele nem saber por que morria.

Mas de repente ele acorda com aqueles olhos vermelhos e sorri pra mim:

_ Qual é Daisynha! Tá com maior cara de campeã! Encarou quantas?

_ Quantas tentativas de assassinato?

_ O que foi, o que rolou lá dentro? Se deu mal?

_ Não, imagina, sua amiguinha só me afogou várias vezes!

_ Putz! Bem que meu sono estava meio conturbado!

_ Ah! Legal! E se eu morro, hein!

_ Qual é, você é forte, mulherão de fibra! he-he!

Meus olhos desviaram de Niltinho e olhei para o marzão, pensando se não teria uma forma de eu matá-lo sem levantar suspeitas. Mas me levantei e fui pra casa, agradecendo aos deuses e jurando que nunca mais eu falaria com Niltinho.

Para quem (ainda) não conhece esta figura, ei-lo.

http://dai.lendo.org/quem-nao-tem-colirio-apela-pro-dialogo/

Quem não tem colírio apela pro diálogo ;)

Quando morei em Saquarema, Região dos Lagos aqui no RJ, além de pegar umas ondinhas de jacaré e body board na marola, fiz algumas amizades com gente muito louca. Dentre esses ensandecidos, conheci o Niltinho, um playboy de idade já avançada, mas sem nada na cabeça, só queria fumar, pescar e andar de lancha. Era meio vesgo e muito gente fina.
De vez enquando ele aparecia em minha casa para contar seus “causos” vida a fora.

Num desses dias, final de tarde, eu na minha, sentada em meu quintal gramado, corpo em forma, pele bem torrada e saboreando uma cerveja, eis que chega Niltinho todo risonho, com os olhos super vermelhos e alguns peixes para pormos na brasa, na mimha churrasqueira que ficava nesse meu belo quintal gramado.

_ Oi, Daisynha! Trouxe uns peixes pra gente assar, pode ser?
_ Claro, pega o carvão aí no armário, debaixo da churrasqueira e manda ver!
_ Hoje passei sufoco, tava com meu carro no centro…

O carro de Niltinho era um bugre mais que velho, sem documento, ele não tinha carteira e nem o carro tinha freio. Pergunto, fingindo surpresa:

_ Sério?! O que houve desta vez…
_ Dois PMs me pararam…
_ Ih!
_ Eu com esse olho vermelho, já viu, né?

Niltinho tinha de fato uma inflamação constante de tanto ficar no mar, mas os olhos ficavam mais vermelhos ainda quando ele resolvia “viajar”.
Pergunto de novo, mas já não finjo surpresa:

_ Deu dinheiro pra eles?
_ Nada… pior que tava sem óculos, ‘vou me ferrar’, pensei…

Vai falando enquanto atiça a brasa e despeja os peixes no meu tanque limpinho de cloro:

_ Putz, mas eu me dei bem porque PM é tudo burro, né…
_ Ah, não fala assim, tem uns que até são legais…
_ Legais ou não, o lance deles é tomar nossa grana. Inda mais eu: sem documento, sem freio, sem óculos, na mão deles!..

Abre a barriga do peixe, joga as vísceras fora enquanto entorna um longo gole de minha cerveja geladíssima, sem a menor cerimônia.

_ Pô, acabei com tua cerveja, Daisy!
_ Problema não, meu freezer tá cheinho, vai lá e traz mais duas latas pra nós!

Ele volta com sal grosso e cerveja de minha cozinha. Retoma o fôlego e continua a contar o que para ele era uma odisséia:

_ Tu acredita que os filhos da puta me encararam e disseram que eu iria morrer num dinheiro…
_ Vixe! Perdeu dinheiro…
_ É ruim hein… Eles disseram que pelo carro tudo bem, cidade pequena, eu morador antigo… mas que por meus olhos vermelhos eu iria pagar caro, que era vacilação minha, atentado ao pudor!..
_ Atentado ao pudor?!…

Mas não pude deixar de concordar com os PMs, os olhos de Niltinho estavam assustadores: duas bolas alucinadas de erva pura. Niltinho, longe de perceber meu olhar estupefato, vira os peixes que já começavam a exalar agradável aroma.

 Pega mais duas latas de cerveja e volta com o peito estufado, sempre fazia assim quando se preparava para o clímax da estória. Dá um sorriso maroto pra mim e joga na minha boca um naco pelando de peixe, que eu engasgo, mas disfarço, resolvendo com uma golada de Skol.
Ele diz, me fitando com aqueles olhos “chave de cadeia”:

_ O PM disse pra mim: “Esse olho com a cor do inferno não tem explicação, tu vai dançar, meu irmão!”

Engraçado que Niltinho tinha o dom de imitar as pessoas, eu quase vi o PM na minha frente falando. Outro naco invade minha boca desatenta. Ele continua:

_ Mas aí, eu disse que cada olho estava com um problema diferente, coisa rara, que até o médico não se aproximou muito de mim na consulta mais cedo! – cara de sem vergonha.

Engasguei de verdade e tive que tomar uns tapas nas costas para desentalar.

_ Que doença tu disse que tinha, cara?!

Niltinho, cínico e cruel:

_ Disse que num olho eu tinha “estalactite” hahahaha!…

Eu tinha que perguntar:
_ E no outro olho, meu Deus!

Niltinho bêbado:
_ No outro era mais grave ainda: é “estalagmite”, chefe, muito mais contagioso!…

Eu, boquiaberta, não querendo perguntar mas era inevitável:
_ E aí, tomou umas porradas, bicho?

Niltinho, tomando minha latinha das mãos:

_ Nada, Daisysinha, eles se afastaram, um mais metido disse com a voz grossa para parecer inteligente: “Vai, rapaz, minha sogra já teve isso, vai, pode ir…” hahahaha!…

Bem, comi meu peixe e fiquei pensando que algumas famas são pra sempre, ou seja, por essas e outras, PM tem fama de burro e carioca de malandro.
Quero mais cerveja!