Ciência, crença, ateísmo ou lavagem cerebral?

Pois é.

Dificilmente a Dai disserta sobre assuntos do tipo ‘papo cabeça’. A não ser quando a cabeça em questão, se assemelhe a uma cabeça de bagre.

Explico. Ah, eu preciso falar.

Conversando, harmoniosamente com uma pessoa evangélica, tive que ouvir algo que realmente me fez rever minha condescendência com as religiões cristãs.

Falávamos mansamente sobre questões da espiritualidade. Da dualidade empírica, do demônio, enfim, analisávamos a influência do Bem e do Mal em nossas vidas à beira do Apocalipse.

O papo até estava agradável, pois eu percebia – surpresa – que a pessoa deixava que eu falasse, sem me interromper com frases do tipo: ”Jesus te ama’ ou ‘Está tudo na Bíblia’. Era uma manhã calma e esse meu vizinho aqui no prédio sorria e eu também sorria.

Por um momento pensei seriamente em dar atenção às suas filosoficamente fechadas idéias de postura humana. Ok. Eu estava inebriada por olhar nos olhos sinceros de alguém tranqüilo, que falava com prazer e misericórdia sobre céu e inferno. Até eu mencionar as drogas da natureza, tipo maconha, ou canabis sativa, cocaína, cânhamo, payote, cogumelo etc.

Sei. Reconheço que fui provocativa, mas o olhar do meu vizinho já não era tão santo. Então, pensei: Lá vem bomba! E não deu outra. Em plena manhã de quinta-feira, eu meio dura, véspera de receber a merreca para pagar as contas, ouvi daqueles lábios suntuosamente felinos:  “Quem disse pra você que maconha é de Deus?”

Eu:

_ A Natureza é de Deus ou não?

Ele:

_ A maconha e a cocaína não são de Deus!

Eu:

_ Neste caso, há dois Criadores, digo, um fez o pé de mamão e o outro a canabis sativa? Dois Botânicos, um do Bem e outro do Mal?

Como terminou esta discussão natural?

Das duas uma: ou ele é louco mesmo, ou eu ainda tenho muito que aprender.

(De quebra rolou melancolia dos meus tempos de adolescente pinkfloydiana)

Ceticismo é um cara calhorda

Ceticismo entrou naquele templo, disfarçado de ovelha. Colou pelos crespos pelo corpo e comprou chiclete de melancia. Ele não queria aparecer, mas seus olhos estavam vermelhos, sua curiosidade era incontida.

Sentou na primeira fileira e observou o homem que pregava. Olhou por baixo de suas saias, e discretamente tossiu. Um pigarro. Chiclete de melancia foi um exagero. Cuspiu a goma e esta grudou no sapato daquele que pregava.

Todos olharam espantados.

_ Cuspiram no Pregador! Herege!

Ceticismo levantou-se. Todos esperaram que dissesse algo em sua defesa. Ele então, calmamente, desembrulhou outro chiclete, desta vez de hortelã. Silêncio no templo. O que pregrava, com a face avermelhada, debatia-se em dúvidas: “Quem diabo seria este? O Diabo? Mas Diabo não existe!”

Ceticismo estalou uma bola com o chiclete, todos se jogaram no chão: “Tiro! Tiro!”

O que pregava, tremendo de medo, olhou para os fiéis e sentiu-se impotente. E agora?

Ceticismo riu com o canto da boca. Olhando para o Pregador, resumiu sua visita, retirando o algodão do corpo. Todos viram que ele não era uma ovelha. Sua pele era diferente, jamais precisaria tosquiar.

Curiosos, ficaram em expectativa, esperando o parecer daquele homem diferente deles.

Ceticismo, fingindo timidez, falou com sua voz rouca e profunda:

_ Vejo que aqui, impera o medo. Era só um chiclete. Só um chiclete…

E se foi, ouvindo atrás de si, alguns passos a seguí-lo.

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 Bom final de semana, amigos! 🙂

Falas falos falácias

Edward Burra’s picture

Ela:

Ontem, pedi que Richard se retirasse de minha vida. Dormiu na varanda de meu cansaço e bocejou, fazendo pouco caso da decisão…

Ele:

Richard sempre precisou de uma mãe, não de mulher. Menino, achava-se até que fosse dar pra maricas. Aquele jeito de andar… Richard deve ser maricas.

Ela:

Não sexualmente, digo, na cama seus beijos são cálidos, excitantes. Ama como um romântico, mas comporta-se com exagerado surrealismo.

Ele:

Ontem o vi conversando com o corretor inglês, o do cachimbo.

Ela:

Sim, sei. O Sherlock Holmes adventista ha,ha,ha.

Ele:

Parece que esse corretor quer mesmo fundar um templo aqui no bairro. Tsc, tsc. Perda de tempo. Quem quer saber de Jesus nesses tempos de passeio ao espaço…

Ela:

Mas o que Richard teria a ver com isso? Em cinco anos, jamais notei qualquer queda para a religião.

Ele:

Quem sabe os dois não estão de intimidades?

Ela:

Você não desiste, Fred. Richard não é isso. É algo mais escondido, não sei bem…

Ele:

Veremos, cara Sophie. Veremos…

Alguns meses depois o corretor inglês em parceria com Richard fundou um templo cristão onde a palavra do Livro era adaptada a uma nova realidade.

 “Amar o próximo” era incondicional. Liberdade era o conceito. Depois de um ano, não se falava em outra coisa.

Houve fóruns e perseguição da igreja católica. Consevadores se debatiam em calorosas discussões. Todavia, o povo ia aos poucos aderindo, chegando timidamente para entender o que era aquele templo.

 “Templo da perdição!” bradavam os homens da política. Entretanto, parte deles já se tornava fiel seguidora da religião.

Muitos gostavam porque não trabalhavam aos sábados, como mandava o Livro. Sábado era dia de festa. Só terminava no domingo ao meio dia quando se dirigiam ao culto para arrepender-se.

Mas o corretor e Richard diziam com total convicção: “Nada há para o arrependimento, a menos que seja por algo que não tenham feito!”

Todos:

Aleluia! Salve a liberdade!

 

De novo na mercearia.

Ele:

Vão se casar. O corretor e Richard…

Ela:

Já soube. Estão ricos. Muitas doações, terras e propriedades. A coisa está crescendo hi, hi, hi.

Ele:

Eu disse que Richard sempre fora viado.

Ela:

É mais que isso.

Ele:

Estão com muitos seguidores. Gente de fora, de toda parte. Lá está ela: A igreja do pecado. Sodoma dos aflitos. Apocalipse sexual. Richard é um desavergonhado. Um porco, desde criança… mas…

Ela – olhando em direção ao templo pela porta da mercearia:

É mais que isso… é misterioso.

Balança a cabeça, acende a cigarrilha. Solta baforada e ri:

É muito mais que isso…