O CAVALEIRO INFIEL

O Cavaleiro Infiel

Me transformo agora em negra flor
pois que vens e me perfumas
com loções de barba ervas sumas
em abraço és-me tórrido beijador

Teu grasnar é tal surpresa
mesmo ali oh!, lugar qualquer
a volúpia não tem qualquer juízo
inda mais nas entranhas da mulher

Ardem chamas em transe louca
transformada em fêmea e aquarela
olho o cavaleiro, co’a voz rouca
pergunto surda: quem é a tua bela?

O ricochete vem em doces rios
minhas pernas andam sem vontade
tremem, cruel amor sem brios
que me torna escrava da infidelidade

Um dia hei de rescindir sem dó
com inóspita medieval paixão
preferirei o azar, estátua de pó
ou ir-me embora nas asas do dragão

___E dá-se a mentir o tempo inteiro
a mulher que não vive longe
do brasão do amante cavaleiro

Dele a Elegia

Ainda ouço ao longe a música do Violino...
Ainda ouço ao longe a música do Violino…

Como magia ou outro fenômeno qualquer

naquele momento deixei de ser artista

estanquei de ser mulher.

Vibrei o instrumento na vidraça

e o som das lascas de madeira, os cacos ruidosos

confundiram-se com a dor da tua elegia – Por que a compuseste?

Olhei a música quebrada

e notei nacos sangrentos espalhados no piso frio de nossas almas.

Apertei com força meu pulso e tua fronte – como estancar tal agonia…

Abracei-te dilacerada, quis morrer para sanar o teu martírio.

Rios de lágrimas beberam meu coração emudecido.

__ E a música, penosamente, sussurrou e não nasceu

pois que, só e lentamente, com os dois pereceu…

Kósmikos

casal

A festa da alegria é apenas sensação do que incomodava e se foi.

Percebo, em cada átomo de meu corpo, a lanhada que o universo desferiu contra mim.

O céu escuro da noite diz muito de quem eu sou. Um amontoado cósmico,

Feita de elementos os mesmos do barro, do barraco.

Meu santo não é barroco, meu lamento não é de um oprimido.

Com um leve sorriso nos lábios amargos de proferir palavras de alto e baixo calão,

Calo o robô-homem que contigo fez amor

Nas matas deste mesmo universo do qual faço parte

Mas não encontro o meu lugar.

Dia da poesia

                                  “TUDO É POESIA, O RESTO É SONO”

lendo

Dia hoje da poesia,

como pode ser

se todo tempo a ilusão poetiza nossa vida?

Como dia da poesia se as coisas são as mesmas.?

Gente sem amor, mulher sem aquele “cobertor”;

homens bebendo na calçada,

putas cheirosas levando sua vida

e a de tantos…

Dia da poesia?

Afinal

Quando foi que acabou a poesia?

 

Induz que luz

Que nada que não tem

como explicar as cataratas de tua visão,

Niágara, morte desprevenida,

manchas universo cérebro,

nada, que nada, tudo é a mesma coisa.

Tu o queres, mas não há coragem,

é invisível. Não basta.

Deus assim não queres,

talvez estejas com a razão.

Razão? Razão? Razão?

Sejamos loucos, tudo passa rápido,

daqui a pouco eu.

Para falar de poesia – Arkadii Dragomoshchenko

Leia a entrevista do poeta alemão Arkadii Dragomoshchenko a Régis Bonvicino  e Odile Cisneros

Para falar de poesia

Falar de poesia é falar do nada
ou possivelmente de algumas raias externas
(onde a língua se devora)
discernindo ou determinando um desejo
penetrar este nada, uma lei, um olho
para encontrá-lo em si mesmo, presente em nada
Impossível !
A morte não pode ser trocada por outra coisa.
Sinceridade – é o processo insaciável
de transição, de flutuação, em sentido oposto,
ou seja, eu-te-amo-não-te-amo
desaparece à beira da consciência

Não há mais tempo para a expressão
Eliminada pela simultaneidade
Onde achar um homem dançando como uma vela?
Escute, como o segundo milênio
a água avança sobre as margens – algas
A pétala-da-abelha seca seus lábios: pó em seus pés
seus quadris e ombros expostos

Lembro-me do tempo quando a lâmpada de querosene
noite fria o lilás brilhava verde, como um nervo
O halo da chama do querenosene, um hemisfério esmeralda
atraía mariposas do escuro.
O arco zênite de agosto, uma foice estrelada,
revelando os traços honestos da matéria,
pálpebras rasgadas.
Uma tela e letras, esta é a estória,
arquivo pulsante do nadir e nele, como a queima
de mariposas,
a descrição da noite aparece. Os ramais
do jardim pegam fogo,
campos magnéticos de palavras aparecem, tensos,
entrelaçados ao nada. O que mais posso falar!
O que mais dizer?
Deslizando dentro de você, no delta no meio do rio
abrindo-se, como um arco,
cuja corda está corroída
pelo silêncio.

Traduções: Régis Bonvicino

Reptiliano – Luiz Guilherme Volpato

E acordo assim.

Com o sono invadido por sonhos e lembranças.

Como realidades hipotéticas.

De uma época onde curvas no caminho ainda poderiam ser tomadas.

Num mundo onde fechar os olhos e sentir a brisa contra o rosto ainda fazia sentido.

Numa época onde meus desejos e orações eram endereçados a mesma pessoa.

Onde haveria sentido voltar ou não sair de casa.

Mas de cicatrizes sobrepostas meu coração se tornou escamoso.

Duro, frio… feio.

Não desejo saber de seu paradeiro.

Não me interesso por sua vida.

A curiosidade é menor que a segurança da beira do meu lago.

Não a quero aqui hoje.

Mas sinto falta de mim, aí, ontem.

 

 

 

Para que escrever poesia? Para quem? – Les Murray

Reprodução/Internet / Les Murray.
Les Murray.

O instrumento

Quem lê poesia? Não nossos intelectuais;
eles querem controlá-la. Não os amantes, não os combativos,
não os examinadores. Eles também roçam-na em busca de bouquets
e trunfos mágicos. Não os alunos pobres
que peidam furtivamente enquanto criam imunidade contra ela.

A poesia é lida pelos amantes da poesia
e ouvida por mais uns que eles levam ao café
ou à biblioteca local para uma leitura bifocal.
Os amantes de poesia podem somar um milhão
no planeta todo. Menos do que os jogadores de skat.

O que lhes dá prazer é um roçar nunca-assassino
destilado, principalmente versado, e suspenso em êxtase
calmo na superfície de papel. O resto da poesia
de que isso uma vez já foi parte ainda domina
os continentes, como sempre fez. Mas sob a condição hoje

de que seu nome nunca seja dito: construções, poesia selvagem,
o oposto mas também o secreto do racional.
E quem lê isso? Ah, os amantes, os alunos,
debatedores, generais, mafiosos, todos leem:
Porsche, plástica, Gaia, Bacana, patriarcal.

Entre as estrofes selvagens há muitas que exigem tua carne
para incorporá-las. Só a arte completa
livre de obediência a seu tempo pode te fazer dar piruetas
ao longo e através dos poemas maiores em que você está.
Estar fora de toda poesia é um vazio inalcançável.

Por que escrever poesia? Pelo estranho desemprego.
Pelas dores de cabeça indolores, que devem ser aproveitadas para atacar
por meio de seu braço que escreve no momento acumulado.
Pelos ajustes posteriores, alinhando facetas em um verbo
antes que o transe te deixe. Para trabalhar sempre além

de sua própria inteligência. Para não precisar se erguer
e trair os pobres para fazê-lo. Por uma fama não-devoradora.
Pouca coisa na política lembra isso: talvez
os colonizadores australianos reinventando o falso
e muito adotado voto secreto, no qual a deflação podia se esconder

e, como um portador do bem-estar, envergonhar as Revoluções da vala-comum.
Tão cortada a machado, tão cônsul-ar.
Foi essa uma brilhante vitória mundial da covardia moral?
Respirar em ritmo de sonho quando acordado e longe da cama
revela o dom. Ser trágico com um livro na sua cabeça.

Copiado do Blog Palavras Todas Palavras
Créditos – Gazeta do Povo
O blog traduz mais um poema de Les Murray, torcendo para na semana que vem ele ser anunciado como o vencedor do Nobel…

Há coisas tão eternas, há coisas realmente impressionantes


Childe Hassam

Canteiros (Cecília Meireles)

Quando penso em você fecho os olhos de saudade
Tenho tido muita coisa, menos a felicidade
Correm os meus dedos longos em versos tristes que invento
Nem aquilo a que me entrego já me traz contentamento
Pode ser até manhã, cedo claro feito dia
mas nada do que me dizem me faz sentir alegria
Eu só queria ter no mato um gosto de framboesa
Para correr entre os canteiros e esconder minha tristeza
Que eu ainda sou bem moço para tanta tristeza
E deixemos de coisa, cuidemos da vida,
Pois se não chega a morte ou coisa parecida
E nos arrasta moço, sem ter visto a vida.

“O Beijo da Mulher Aranha”

este

Finalmente estamos a sós. Como ninhada desmamada que grita de longe por colo. Somos tristes, contudo, quem mais pode-se dizer feliz, se a crosta terrestre derrete-se lentamente; o céu está estranho. A internet assusta com suas previsões e previsíveis profecias. Precisamos beijar.

Um apanhado de nostálgicos escritores escrevem coisas bonitas, entretanto, a biologia anuncia a decadência da ciência e da poesia. Não há clones humanos; não haverá teletransporte humano. Política mundial, sim, cessará a crise. Comeremos frutas e lagostas.

O sol continuará nascendo e se pondo. Oriente e ocidente se dando bom dia e boa noite em horários diferentes. Depois do sol, o negror.

(Tanto faz, se para o poeta é sempre noite – boêmias cavernas virtuais).

O biólogo beija a astronomia, que flerta com a telecinética; enquanto isso as pernas das prostitutas sentem frio. E levitam seus sonhos neste mundo louco, clima estranho, elas dizem. As coisas mudaram, concluem. Precisamos beijar.

As formigas, ao menos, são um povo organizado, enquanto nós nos cansamos do açúcar. Amargo. Queremos o sabor amargo da violência, afinal, a televisão é para isso.

Desligo o sinal e vou ao cinema. The Spirit, o HQ pode transportar você por enquanto. Velozes e Furiosos 4 poderia fazer-me voar. Mas é em preto e branco que eu encontraria, em Veneza, aquele diretor argentino.

Ou, ainda temos o Hitchcock no banheiro da memória, o box terror, o box! Sua lápide irônica; e os biônicos pênis dos robôs prostitutos da Atlântica.

Ainda são estrelas aqueles pontos lá no céu. É de solidão que queremos falar. Ou queríamos. Quem há de ficar a sós, quando na mão se tem uma caneta! Mas apenas os poetas cantam. Nós, eu, tão somente borro no papel, a perplexidade desses tempos.

Para Manoel Puig