Os Santos (Cont.)

                                     pág.28

A cegueira e o Amor

Confiável nativo. Estive só em minha casa – este cômodo fétido e amargo -, deitado no chão por dias e noites até que, fraco, fui hoje assistir ao por do sol. Arrisquei meu bem estar, mas desta vez não foi por vossa culpa. Desculpai minha ausência, mas foi difícil manter Androro sob o controle do raciocínio lógico. Nosso equilíbrio é perfeito porém vosso mundo está, como li em algum lugar, de pernas para o ar.

Escuto um insistente burburinho e um irritante badalar de sinos. São os crentes protestantes remanescentes que insistem em reeguer o que jamais voltará a existir. Mas são tão insignificantes suas tentativas de um fictício ressuscitar que nenhuma entidade ou governo chegam a se abalar com estes pobres subprodutos de vós.

No entanto encontro-me tão sobejamente entristecido com vossas atitudes que chego mesmo a querer voltar para casa. Sinto desejo apaixonado de ir-me, porém sei que vosso mundo trasformar-se-ia em um nada! Como foi no início.

Minha amada, envolvida com política, parece ignorar-me sobremaneira. Este é um bom motivo para deixar um homem sem chão e céus.

Daqui, eu posso olhar todas as mulheres e fêmeas dos Universos, porém nada e nem nenhuma mulher, nem mesmo as de nosso planeta – as mais lindas e perfeitas – poderiam comparar-se a minha deusa, objeto último de minhas existências.

Mais uma vez observo minha vida no plural e isto certamente aguça vossa curiosidade que considero pertinente já que  vos considero um amigo, amado nativo, meu leitor!

                                        pág.29

Andei lendo superficialmente vossa vasta literatura e assim quedei-me a vos respeitar definitivamente como amigo pois surpreendeu-me verdadeiramente muitos escribas de vosso mundo.

Vi que muito vos esforçastes em vosso cérebro para vos adaptartes aqui. E, de ontem para hoje, após ler mil livros vossos, sei que não poderia ignorar vossa literatura e vossa cultura, documentadas em belíssimos livros. Alguns certamente levarei comigo pois que estou mesmo muito surpreso com muitos escibas de vosso domínio.

Porém, alertai-vos! Ainda possuo os cinco sentidos que podem por vossa segurança em risco à revelia de minha vontade.

Este nosso fundamental sentido é o que nos protege de eventuais investidas de inimigos já que essencialmente vivemos e respiramos Amor.

Este poderoso sentido é que nos faz, no bom sentido, dominar tudo ao nosso redor.

Amigo telúrico, há povos que ainda sonham em dominar-nos há séculos, porém nada tememos porque por mais que sejam respeitáveis inimigos e possuam armas poderosas, não têm o Amor, elemento metafísico, fundamental combustível para o alimento deste nosso quinto sentido. Compreendeis o que falo, nativo?

Desta forma, em posse deste elemento químico em nosso espírito, transmutamos e vivemos várias vidas. O que para o amigo pode significar o que chameis Eternidade.

                                           pág.30

As Saudades de Visão

Sinto falta dos passeios pelas ruas do meu domínio, das raras árvores e das terras vermelhas onde  crianças brincam nuas como se estivessem nadando em belos rios e fabulosos mares como os vossos. Vosso céu é de um azul inigualável, jamais visto igual por mim que tanto já viajei pelai. No entanto calo-me em agonia ao observar vossa cegueira e tamanha é minha dor ao perceber este fatal erro de cálculo que vos fizestes cair aqui, nesta maravilhosa terra.

Na ocasião achou-se que saberiam lidar com o planeta com suas infindáveis riquezas naturais, mas eis o quase final de vossa aventura na terra.

E querido nativo, depois de ler os mil livros eis que encontro-me em estado de graça convosco.

Tamanha emoção me permite finalmente vos considerar um verdadeiro companheiro.

De onde venho, como já vos faleis – e perdoai minha provável redundância -, lá a justiça é soberana e a tudo controla, portanto considero justo elevar o nativo a meu companheiro intergaláctico de agora para adiante.

Entretanto devereis, em troca, prestar a máxima atenção em tudo que começarei a vos revelar e saibais que jamais, em nenhuma era, eu ou qualquer um de nós nos dispusemos tão afetivamente a salvar um povo. Embora a palavra ’salvar’ seja mesmo um tanto forte já que não sabemos eu, Amândera, Sacerdote Lo ou Androro, qual será de fato a nossa ação no final das contas.

Mas não há necessidade de sobressaltos. Podeis confiar em vosso amigo aqui.

Caso haja mudanças nos planos, sereis o primeiro a saber, amado companheiro nativo. É fato!

FIM DA PRIMEIRA PARTE.

Os Santos (cont.)

                                       pág.26

Amândera, o Amor e os Ateus…

Os Ateus e o Sacerdote Lo ignoravam o que Amândera fora fazer naquela quarta feira em sua reunião costumeira, em Roma, na sede principal daquela estranha sociedade.

Saira precipitadamente com Lo, entretanto, já ciente das intenções dos Ateus, ela implantara uma espécie de sonda telepática  no cérebro de Edgar Santtoro, o presidente, quebrando mais uma vez o protocolo de sua missão, porém, era inflado de amor e boas intenções seu coração. O perigo, ela bem o sabia, era seu constante estado apaixonado. Só fora naquela missão por insistência de Lo e Visão.

Carragam 8, o dirigente executivo de seu planeta, ainda pusera em dúvida a sua vinda nesta viagem, porém, sabiam todos que o seu era um dos corações mais altruístas e puros do Universo. E Carragam era o oitavo na linha discipular do governo e jamais nenhum de sua linhagem houvera cometido um único engano sequer. Eram espíritos plenos de perfeição.

Porém, Amândera pensou que jamais havia conhecido um mundo como este que a conduzia em oscilações de sentimentos que iam do desprezo ao ódio, e muitas vezes era acometida de uma tristeza tão profunda, que seus olhos marrons ficavam tão verdes que roubavam o verde ao redor, deixando tudo empalidecido.

                                         pág.27

Os nativos realmente a deixavam em estado reflexivo e ela não aceitava um povo que dava as costas à natureza e aos ensinementos natos em seus espíritos. Ao invés disto, buscavam filosofias vãs em confiança de homens adúlteros e no charlatanesco ensinar dos homens ditos superiores.

Por que simplesmente não faziam a coisa certa? Por quer não aprenderam a escutar a voz do coração? E por mais que de fato fosse defeituoso este órgão no nativo, ela sabia que de qualquer forma era do coração, por mais deficiente que fosse, que este se restabeleceria ante seu habitat natural. O espírito ainda queria a paz e o amor.

Saiu de suas divagações com um leve tremor no corpo. Sabia e sentia que Visão a desejava, mas também tinha ciência de que o nativo haveria de ser prioridade. E que, sem ela, provavelmente Androro cumpriria sua catastrófica ameaça.

Já sentia-se abalada por ter provocado A Queda de forma tão irada. Não era mesmo sua intenção, apenas, era das artes – em seu planeta as artes eram deusas vivas – a música, literatura, cênicas, pintura.

Quis fazer um teatro em Roma e os efeitos especiais sairiam de seu corpo e jamais nenhum nativo sonhara com tal espetáculo.

Porém a igreja interferira e mesmo a proibira. E Amândera apenas exibiria uma das mais belas cenas de sensualidade da história, ao mostrar Jesus Cristo e Madalena fazendo amor como poucos casais em todo o Universo.

Sorriu e não pode deixar de sentir desprezo pela forma como os nativos se relacionavam por aqui: com tanto desamor e mentiras que seu  acasalamento não era considerado sério nem procedente nos relatórios oficiais do seu Senado.

Porque lá, o amor era inerente a todos e não raro, celebrava-se o casamento de dois homens com uma mulher, ou o contrário, de uma  mulher com dois homens.

Isto era o Amor!

(contnua)

Os Santos (cont.)

                                        pág.23

 Os Anjos da Milícia

Laford chega na Empresa. Estaciona seu  carro modificado, um furgão com meio teto solar (para eventual fuga), à prova de balas.

Uma espécie de soldado toma-lhe as chaves para estacionar o carro.

Entra no prédio por uma porta automática onde se encontram mais dois soldados.

Vestem-se com jeans e camisetas pretas e usam coturnos herdados dos exércitos que agora estavam divididos entre os partidos atuais. Os que sobreviveram à guerra. A maioria têm a cabeça raspada e tatuagens estranhas nos braços.

O que Laford chamava de Empresa era a sede dos Anjos da  Milícia, uma organização formada por ex-militares e civis que atuavam neutros na política. Eram mercenários, por isso estavam ao lado da elite dos Ateus. Estes, ricos, mantinham tudo sob controle embora começassem a incomodar-se com o N.C.C. e Laford sabia que essa irmandade cristã pesquisava algo que poderia mudar o mundo de novo. Sorriu um sorriso gélido e excitou-se com a possibilidade de uma nova guerra. Era chamado entre os seus de ‘O Sanguinário’.

                                      pág.24

Já fazia alguns anos que nada acontecia e Laford já não suportava o marasmo e aqueles patéticos Ateus que só pensavam em controlar o mundo e ganhar dinheiro. Pensou que os mataria com prazer. Um a um, aqueles persnóticos e presunçosos ateus.

Ex-general do exército, sempre fora um homem frio mas exímio estrategista e numa possível guerra política, seu trabalho valeria muito dinheiro. Peso de ouro e isso não faltava aos Ateus pois toda a riqueza da igreja fora saqueada por eles. E Laford liderara o saque e portanto sabia que havia tesouros incalculáveis como uns pergaminhos  (nunca soubera como chamá-los), uns antigos escritos que Laford desconfiava serem os tais testemunhos, os evangelhos de Madalena e Judas.

Sentou-se em seu escritório e começou a ler os jornais antegozando a guerra iminente pela tomada do Poder. Outra vez sorriu malicioso.

Levantou-se e acendeu umas velas para São Francisco de Assis, santo de sua devoção desde criança quando aprendera com a mãe que este era um bom santo que ajudava a cuidar dos animaizinhos.

Como o matador era louco por cachorros e lagartos, associou  Francisco de Assis à sua vida.

                                       pág.25

Francesca entra na sala e Laford, do alto de seus cinquenta anos grisalhos mas robusto e muito atraente com seu perfil moreno, descendência árabe, automaticamente se excita com sua tenente dublé de ninfomaníaca. Alta, sedutora, mesmo de jeans e camisetas e botas. Cabelos curtos, de um castanho dourado e olhos escuros e frios como o aço. Era visão suficiente para Laford excitar-se. Pensava que francesca era sua versão feminina. Tão sanguinária ou mais que ele. O próprio demônio, como diriam os ex-padres, os que restaram e que se encontravam presos nos porões de seu domínio.

_ Laford! – sua voz era fria e rouca – Desconfio que o N.C.C. esteja a um passo de alguma descoberta valiosa.

_ Saberemos em breve. Ninguém haverá de quebrar o Tratado sob pena de morrer em minhas mãos.

Ela sorri maliciosa enquanto senta-se no colo do amante.

Rezava no Tratato que nenhuma descoberta inerente ao homem como um todo poderia ficar em sigilo…

Laford acaricia os seios da tenente enquanto sussurra já excitado:

 _ Ninguém passa o general Laford para trás…

Francesca beija-o sofregamente e puxa seus cabelos com suas unhas que mais pareciam pequenas lanças, lixadas de forma a ficarem afiadas.

(continua)

Os Santos (cont.)

                                          pág.21

A Revelação das Escrituras – Por Ernest Lion

Ernest Lion senta-se em poltrona diante de gigantesca tela porque a reunião será acompanhada simultaneamente por todas as células espalhadas no mundo.

Aos  poucos os membros vão chegando e acomodando-se em seus lugares – cadeiras de madeira maciça e de ferro com dourado envelhecido, saqueadas na pós guerra.

Lion, como sempre alisando sua longa barba observa seus irmãos  antevendo a reação deles depois que proferisse tão surpreendente revelação.

Olha para Lucas e Victor, seus filhos adolescentes e imagina qual seria seu futuro depois dA Volta Prometida.

Sorriu em desânimo ao lembrar-se de quando ia à igreja com a mãe e de como sempre fingira estar orando. Sentia-se diferente dos outros garotos por não ter fé. Algo em seu íntimo gritava para não crer.

Dois mil anos se passaram e só agora o mundo entenderia o que significava o Retorno do Cristo.

Salvatore, chefe desta célula americana  chega em sua habitual calma mantida às custas de drogas.

Como todos os Novos Cristãos Comunistas , cultivava barbas e a sua era espessa e negra. Passava dos sessenta mas era robusto e jovial.

Senta-se em poltrona especial, uma autêntica Luiz XV.

Faz um sinal, dando por iniciada a reunião. Seus olhos brilham intensamente  e Ernest Lion sabe que nesta noite, o chefe estava certamente sob efeito do skankedy, droga química derivada da primitiva canabis sativa. Última palavra em alucinógino. Um misto da planta com poderoso barbitúrico que causava sensação jamais sentida de poder e força, sem falar na expansão imediata da mente.

Lion experimentara numa ocasião de depressão mas não gostara, pois sentira-se o próprio Deus que jamais acreditara.

 O telão digital se acende e o imponente rosto de Edgar Russeau Jr. aparece. Ele é o membro fundador do N.C.C.

Está em Roma juntamente com outros membros fundadores do Partido.

                                         pág.22

Lion pigarreia, faz um nó na longa barba e se prepara para falar o que indubitavelmente causará comoção e júbilo.

Sorriu discretamente ao lembrar do seqüestro do Papa, no dia dA Queda quando este participava de uma cerimônia de Jubileu. Considerava irônico esta associação das palavras.

Finalmente começa a falar com sua voz suave e pausada:

_ Boa noite, senhores. Como já era de minha perspicaz desconfiança, e de alguns outros pesquisadores, a Bíblia é um livro cifrado em ocultos códigos. Mensagens estas que ficaram escondidas obscuramente por tanto tempo, a espera deste milênio.

Observa os olhos atentos de Russeau no telão. Depois encontra o olhar de Salvatore que o incentiva a continuar pois, impaciente, muitas vezes não suportava este costume de falar pausadamente que Lion possuia.

Calmamente o raker  desfaz o nó da barba e prossegue com um sorriso enigmático que irrita Salvatore, porém sabia que estavam todos, no mundo inteiro em expectativa para ouvir sua descoberta.

Prossegue, calma e divertidamente:

_ Porém nenhum pesquisador chegou onde cheguei. Não entrarei em detalhes porque a linguagem tecnológica é o que menos interessa, eu suponho, senhores.

Olha para a tela e Russeau diz, com voz de timbre forte, própria de comando:

_ Prossiga e conte-nos logo! Dispense termos científicos! Por hora será suficiente. Nossa tecnologia ainda não é 100% segura. Você mesmo o disse Lion. Entregue o relatório a Salvatore e prossiga, por favor!

Um homem da comissão pega um minúsculo aparelho das mãos do cientista comunista. Este continua, após fazer novo nó na barba:

_ Invertendo algumas frases na altura dos enigmáticos versos do Novo Testamento, usando um programa secreto que desenvolvo há anos…

Olha para todos entre divertido e poderoso.

_ Descobri que de fato  Ele voltará em breve!

(continua)